O prémio ERC Oeiras, promovido pela Câmara Municipal de Oeiras, foi atribuído a Miguel Soares, investigador principal no Instituto Gulbenkian de Ciência.
O investigador principal no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), Miguel Soares, foi o vencedor da primeira edição dos prémios ERC Oeiras. Miguel Soares esteve à conversa com o Oeiras Valley para falar sobre o trabalho desenvolvido pelo seu laboratório na área de infeção.
Leia a entrevista e conheça, ainda, a importância deste tipo de prémios para a consolidação da atividade científica em Portugal, em particular na região de Oeiras.
Professor Miguel Soares, é o primeiro vencedor da primeira edição do prémio ERC Oeiras. Que significado é que este prémio tem para si?
Sinto-me profundamente privilegiado. Nas circunstâncias de baixo financiamento para a Ciência, considero o valor monetário do prémio um game changer. Estes fundos permitem continuar o desenvolvimento de linhas de investigação e, por isso, voltar a aceder a financiamentos mais robustos a nível internacional.
O prémio ERC Oeiras, promovido aqui no concelho e como apoio da comunidade científica local, é uma ação louvável a nível regional, que deveria ser replicada a nível nacional.
Considera que há pouco apoio do Estado à Investigação?
Está previsto um investimento em investigação de 3% do PIB nos países europeus. Portugal está muito aquém desse valor e continuamos a discutir quando é que eventualmente vamos chegar a esse patamar.
Há uma comunidade científica muito forte em Portugal, nomeadamente em Lisboa, Oeiras e outras regiões. Se não há acesso a financiamentos robustos, a comunidade científica terá tendência a desaparecer. Face a este panorama, os financiamentos semelhantes ao prémio ERC da Câmara Municipal de Oeiras, não são uma miragem, mas sim um Oásis, porque têm um impacte incrível na comunidade científica.
Como vê o trabalho do Município, que é o único do país que coloca 1% do seu orçamento em investimento para a Ciência? Notam, no terreno, que há este apoio da Câmara Municipal, para além deste prémio?
Primeiro, noto que há um robusto sistema de comunicação do Oeiras Valley, que visa a promoção do ecossistema de entidades científicas. No Município estão já presentes, há muitos anos, o Instituto Gulbenkian Ciência, a Universidade Nova, o Taguspark… O Oeiras Valley é quase único em Portugal e está a tornar-se num Silicon Valley.
Temos também a noção de que há um apoio muito robusto do Município de Oeiras, sem precedentes em Portugal, para as atividades do Instituto Gulbenkian de Ciência, incluindo este co-laboratório. Pode parecer que os 1% de investimento do orçamento municipal ficam um pouco aquém dos 3% previstos no panorama Europeu, mas é importante recordar que o financiamento da Ciência em Portugal não é uma das funções do Município de Oeiras, mas sim do Governo.
Falou da Estratégia Oeiras Valley, que surgiu há dois anos. Sente que esta estratégia foi interessante para a comunidade científica?
A única resposta possível é sim, mesmo da perspetiva de quem trabalha no IGC. Sei que há uma série de atividades importantes desenvolvidas no Instituto, tais como o co-laboratório e outras que são completamente suportadas pelo Município de Oeiras.
Temos também vários colegas com quem trabalhamos no quotidiano, graças a esse apoio. Sentimos, portanto, o apoio de um Município que tem como objetivo posicionar-se na linha da frente da Inovação e reforçar o trabalho desenvolvido por instituições de alto valor científico.
Qual o destino do prémio?
Nós trabalhamos na área das infeções e tentamos perceber porque é que algumas pessoas ficam doentes, ao contrário de outras pessoas, quando infetadas pelo mesmo vírus. Utilizo esta analogia do vírus porque estamos todos submetidos à pressão do SARS-CoV-2, uma vertente que está também incluída no nosso projeto. Em particular, dispomos de um laboratório específico designado de BCL3, onde podemos trabalhar com vírus de alto risco sem apresentar perigo à comunidade.
Não entendemos o porquê de as crianças não desenvolverem doença e as pessoas mais idosas desenvolverem uma doença gravíssima, com risco de morte, quando infetados da mesma forma. Há pessoas que desenvolvem doença grave, ao contrário de outras, e é isso que trabalhamos.
No trabalho que temos desenvolvido no Instituto Gulbenkian Ciência, identificamos que há respostas específicas dos órgãos quando o organismo é infetado. Se um animal for infetado, mesmo que consiga eliminar o patogénico, pode acabar por morrer porque determinados órgãos não se conseguem adaptar às alterações metabólicas decorrentes da infeção.
As evidências sugerem que, para além das respostas imunitárias para bloquear o vírus, precisamos também do que designamos por adaptação metabólica. No essencial, é preciso que órgãos como o coração, o fígado e o rim continuem a funcionar depois da infeção.
Pensamos, por isso, que o tratamento de algumas patologias terá de ir mais além do que eliminar a doença no organismo. Por exemplo, através da aplicação de mecanismos de tolerância à doença que suportem o funcionamento normal dos órgãos.
Esta verba vai permitir aprofundar os estudos no IGC?
Exatamente. A verba permite que o grupo de Inflamação do IGC aposte nesta linha de investigação para garantir a sua continuidade. Este tipo de verbas é, portanto, um catalisador para o trabalho desenvolvido pelo laboratório, que permite uma maior reivindicação de fundos necessários para a investigação. De certa forma, é o que nós chamamos em finanças de seeding money, mas normalmente esse dinheiro não é suficiente.
O prémio serve para compensar os que se candidataram a fundos europeus, mas que ainda não conseguiram receber financiamento?
Em ciência é muito difícil manter a competitividade. Se há um colega que está quase a conseguir receber um prémio multimilionário para financiar o seu Instituto durante 10 anos, mas que precisa de mais um apoio para conseguir acabar algumas coisas, este tipo de seeding money é absolutamente essencial.
O prémio é uma mais-valia para a Comunidade de Oeiras e para Portugal. Se não houver este tipo de apoios e financiamento do Estado, os laboratórios podem afundar. Quando um barco afunda não volta a navegar e é preciso construir outros.
No seu entender, a parceria que há entre o poder político e a comunidade científica em Oeiras é única em Portugal?
Tenho a ideia de que este tipo de parceria não existe em mais lado nenhum em Portugal. Para além de ser única, é absolutamente essencial e magnífica. Como disse, se a iniciativa funciona, sugiro que falem com os órgãos de Estado e a Fundação para a Ciência e Tecnologia para que esta iniciativa seja replicada, porque realmente é uma estratégia muito forte.