Catarina Pimentel é investigadora no Laboratório de Biologia Molecular de Leveduras do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa (ITQB-NOVA).
O trabalho de investigação que leva a cabo incide no estudo dos mecanismos moleculares que permitem que algumas espécies de leveduras explorem o hospedeiro e provoquem infeções graves, visando desenvolver estratégias mais eficazes na prevenção e tratamento destes casos. A investigadora liderou também um projeto para o diagnóstico da Covid-19 através da saliva, ajudando a rastrear casos nas escolas em pouco tempo e de forma mais acessível.
Conheça melhor o trabalho desenvolvido neste laboratório multidisciplinar nas palavras de Catarina Pimentel, o “Rosto da Ciência” que procura dar resposta a necessidades médicas prementes.
Quais são as principais áreas de ação do Laboratório de Biologia Molecular de Leveduras?
As leveduras são fungos com grande potencial biotecnológico, muito utilizadas em diversos sectores industriais (indústria alimentar e de bebidas, indústria química e farmacêutica). No entanto, existem espécies de leveduras que, em certas condições, podem causar infeções graves, geralmente associadas a altas taxas de mortalidade em idosos e crianças.
A ocorrência deste tipo de infeções tem aumentado nos últimos anos devido à falta de medicamentos (antifúngicos) eficazes, ao aparecimento de espécies de leveduras resistentes aos fármacos disponíveis no mercado, bem como à falta de meios de diagnóstico, que permitam identificar rápida e eficazmente este tipo de infeções e orientar o tratamento.
O meu grupo, utilizando uma abordagem multidisciplinar, tenta dar resposta a estas necessidades médicas, sendo que a grande maioria dos projetos em curso no laboratório aborda esta temática. Para chegarmos à aplicação, existe um longo processo de investigação fundamental que, no caso do desenvolvimento de novos antifúngicos, passa por compreender o que o fármaco está a fazer à levedura, e, no exemplo do desenvolvimento de novos testes de diagnóstico, requer a identificação de estratégias que garantam a especificidade e a sensibilidade dos testes, isto é, a identificação exata do patógeno e a sua deteção mesmo quando presente em pequenas quantidades.
Durante a pandemia da Covid-19, foi uma das investigadoras envolvidas na implementação de um teste à Covid-19 com recurso à saliva. Como é que surgiu esta necessidade e como é que foi o processo de desenvolvimento deste teste?
A ideia surgiu durante o primeiro confinamento, em março de 2020, quando foi veiculada a notícia de que em alguns países começavam a faltar os reagentes necessários para a realização do RT-PCR, o método laboratorial de referência para a detecção da infeção por SARS-CoV-2.
A notícia era alarmante, pois à data a testagem era muito importante para a monitorização da evolução epidemiológica da COVID-19 e, por outro lado, o número de testes positivos tinha um grande impacto na adoção de medidas de saúde pública. Recordo-me que achei impressionante o facto de, à escala mundial, não existirem alternativas ao RT-PCR para o diagnóstico da Covid-19, tendo em conta que nessa altura ainda não tinham sido desenvolvidos os testes rápidos de antigénio.
Comecei por procurar na literatura científica métodos alternativos para a deteção de RNA de vírus (o RT-PCR deteta o material genético do SARS-CoV-2) e encontrei alguns. Após discutir com colegas, e aproveitando o desafio lançado pela direção da MOSTMICRO, uma unidade de investigação do ITQB NOVA, acabei por expor a ideia de um teste alternativo ao RT-PCR numa reunião virtual com todos os investigadores do Instituto. A ideia foi bem acolhida e acabámos por receber um pequeno financiamento que possibilitou que regressássemos ao laboratório com o objetivo de pôr em prática esta ideia de um novo teste para a deteção do SARS-CoV-2.
Em apenas seis meses, e com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia – a agência pública nacional de apoio à investigação em ciência, tecnologia e inovação -, conseguimos implementar o novo teste que permite a deteção do vírus em amostras de fluido da nasofaringe (recolhido com zaragatoa), bem como de amostras de saliva, com poucos recursos laboratoriais.
Ademais, conseguimos ainda produzir todos os reagentes cruciais para a realização dos testes e desenvolvemos um novo método colorimétrico de deteção, de modo a contornar alguns problemas associados às amostras de saliva, e acabámos por submeter um pedido de patente. Isto só foi possível graças a uma grande equipa multidisciplinar composta por químicos, bioquímicos, microbiólogos, veterinários e médicos.
Mais tarde, implementámos ainda um outro teste de saliva mais económico e adequado para o rastreio da infeção na população. Em termos científicos, foram tempos incríveis, pois como referiu o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior na altura, estávamos a “viver a ciência em tempo real”.
A Covid-19 continua a ser uma das áreas de foco do Laboratório?
O envolvimento do meu laboratório na investigação em torno da Covid-19 foi circunstancial. Ou seja, à semelhança de muitos outros colegas, aquilo que fizemos foi utilizar o nosso conhecimento e colocá-lo ao serviço de uma causa global.
Em investigação, somos muito estimulados e treinados a mudar o nosso “mindset” sempre que nos deparamos com problemas que temos de solucionar e, neste sentido, o que fizemos não foi assim tão diferente daquilo que estamos habituados a fazer.
Atualmente, temos alguns projetos em curso no âmbito da Covid-19, os quais pretendemos finalizar em breve. Todos eles são levados a cabo em colaboração com colegas químicos do ITQB NOVA, dos quais destaco o desenvolvimento de compostos estabilizadores do material genético do vírus SARS-CoV-2, permitindo aumentar a sensibilidade dos nossos testes.
Que outros projetos que estejam a ser desenvolvidos pelo Laboratório de Biologia Molecular de Leveduras, nas mais diferentes áreas, gostaria de evidenciar?
Estamos também a estudar os mecanismos de desintoxicação de arsénico, um metalóide muito tóxico, pela levedura. Na sequência da nossa investigação fundamental, e de forma a testar uma hipótese que formulámos (e que a confirmar-se alterará um paradigma), acabámos por modificar geneticamente uma levedura cujo potencial biotecnológico na descontaminação de águas contaminadas com arsénico estamos presentemente a testar.
Um outro projeto visa o desenvolvimento de um teste rápido que – com a metodologia de deteção colorimétrica que patenteámos – permitirá fazer o controlo microbiológico das praias em tempo real. Este controlo, para já, é feito à água do mar. Porém, a partir de 2024, será alargado à areia.
Os testes existentes requerem uma logística laboratorial pesada (instrumentação e pessoal especializado) e a comunicação dos resultados não é imediata, o que poderá implicar a exposição dos utentes das praias a níveis elevados de microrganismos nesse intervalo de tempo. A nossa ideia é desenvolver um teste que possa ser feito no local, e com frequência, por pessoal não especializado (como por exemplo um nadador-salvador), permitindo um controlo microbiológico mais fidedigno das nossas praias.
De que forma é que a população de Oeiras pode beneficiar dos projetos e estudos desenvolvidos pelo Laboratório de Biologia Molecular de Leveduras?
O segundo teste de saliva que implementámos foi utilizado para a testagem em massa da população estudantil do concelho de Oeiras com idades compreendidas entre os 3 e os 11 anos, e para a qual o plano de vacinação ainda não estava completo na altura, em fevereiro 2022.
No intervalo de um mês, distribuímos cerca de 9.500 kits de recolha de saliva e realizámos 4.445 testes. Foram detetadas 80 crianças com testes positivos, sendo que a sua grande maioria era assintomática.
Neste projeto tivemos o apoio financeiro e logístico do Município de Oeiras e contámos com a adesão entusiástica de todas as escolas básicas do concelho, assim como a participação de mais de 30 investigadores voluntários. Foi um projeto muito gratificante e, na minha perspetiva, um exemplo bem-sucedido do envolvimento de cidadãos nos programas científicos: a população ajudou-nos a aferir a robustez do nosso teste num cenário real e, por outro lado, conseguimos identificar crianças infetadas, quebrando assim algumas cadeias de transmissão nas escolas.
Num futuro mais imediato, e dada a extensão da orla costeira do concelho de Oeiras, acreditamos que os testes de controlo microbiológico das praias, que estamos agora a desenvolver, poderão vir a servir o interesse da população, garantido um acesso a praias mais seguras durante a época balnear.