À conversa com o Oeiras Valley, o Diretor da Direção de Faróis, o Capitão de Mar e Guerra Pedro Miranda de Castro, explicou-nos o trabalho que é realizado por este organismo, a importância dos Faróis como património comum, científico, tecnológico e como meio de assinalamento marítimo, assim como a sua relação umbilical com as comunidades locais.
A Direção de Faróis é um órgão da Direção-Geral da Autoridade Marítima e tem como missão estabelecer os procedimentos de natureza técnica relativos ao assinalamento e posicionamento marítimo.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho realizado em Portugal (e internacionalmente!) por este organismo, os cerca de 200 homens e mulheres que conservam 53 faróis, farolins e outras ajudas à navegação e como as parcerias serão uma parte importante do futuro destes meios.
Os faróis sempre foram uma atração turística e a Direção de Faróis tem procurado divulgar os seus equipamentos e o seu espólio. Qual considera ser a importância principal desta abertura ao público?
Apesar da evolução tecnológica e do facto de os faróis já não serem primordiais para a navegação, é necessário ter em conta que estes continuam a ser muito importantes, principalmente no que diz respeito às comunidades marítimas locais, pois representam uma presença constante – os guardiães de costa para quem está no mar.
Quanto à divulgação, é importante para que todos percebam como é que cerca de 200 pessoas conservam 53 faróis no território nacional, assim como farolins e outras ajudas à navegação, com o objetivo de garantir a segurança de quem anda no mar.
Além disso, os faróis estão sempre em lugares muito apetecíveis, os quais as pessoas gostam de ir visitar. Inclusivamente, temos vários que já são centenários e que constituem um património comum. Manter esse património é uma obrigação que nós assumimos como Direção de Faróis, embora tenha de ser assumido por todos como comunidade.
Em agosto de 2022, a Direção de Faróis tornou-se parceira do Programa Oeiras Educa+, fomentando as visitas de crianças e jovens e permitindo-lhes ficar a conhecer como funcionam os faróis e a sua história. Na sua leitura, quais as vantagens destas visitas para os mais novos?
Em agosto, de facto, houve uma oficialização. Todavia, esta ligação já existe e foi estabelecida há muitos anos com as escolas do concelho de Oeiras. Nós privilegiamos muito esta ligação à comunidade local, quer seja em relação às escolas, à população sénior ou a outros cidadãos e entidades que nos procuram, quer seja a nível individual ou coletivo, de maneira que compreendam como funciona esta questão do assinalamento marítimo.
Ora, nós estamos inseridos numa comunidade internacional e somos associados e membro-fundador da IALA (International Association of Lighthouse Authorities), o organismo internacional que cria e regula todas as linhas orientadoras para os sistemas de assinalamento marítimo e ajudas à navegação. Perante esta associação, assim como perante a comunidade internacional em geral, nós temos a obrigação de manter os assinalamentos principais a funcionar 99,8% do tempo – na prática, sempre. Nesse sentido, as pessoas ao visitarem-nos e ao assistirem a como tudo isto se processa, compreendem também como funciona. Um exemplo interessante, por exemplo, diz respeito à redundância prevista para os nossos sistemas, nos quais é necessário salvaguardar a sua alta disponibilidade e garantir o seu funcionamento no caso de haver qualquer falha energética ou técnica.
Também é importante que os nossos visitantes percebam que existe um sistema de monitorização e alarmística. Isto é, estarem a par de que os nossos faroleiros recebem alertas e informações de problemas que sejam identificados, de modo a puderem repor a situação enquanto desempenham outras funções paralelamente.
Considero que é muito bom este trabalho de sensibilização relativamente à comunidade local, principalmente no que diz respeito às crianças, de modo que compreendam a importância destes sistemas. Ademais, é importante ter a noção de que não se trata apenas do assinalamento marítimo, pois além dos faróis serem lugares que se destacam através da sua arquitetura, são também espaços onde decorria, e decorre, um registo diário das condições atmosféricas e do mar diariamente. Ou seja, constituíam um apoio importante para as previsões meteorológicas, tal como demais informação local. Isto é, é também importante evidenciar o contributo científico que prestam, atendendo às ligações com laboratórios, como, por exemplo, o laboratório de Engenharia Civil no que concerne à resistência dos materiais no Farol do Cabo Raso.
Nós estamos sempre prontos e disponíveis para estas parcerias de âmbito didático, tecnológico e científico.
O concelho de Oeiras inaugurou dois murais de arte urbana, no Bairro dos Faroleiros, dedicado aos faróis. Como é que interpreta esta valorização de todos os oeirenses que trabalham nesta área?
Foi muito gratificante. Trata-se de uma relação simbiótica com o Município e com os oeirenses. Quando assumi funções, uma das minhas primeiras preocupações foi apresentar os meus cumprimentos ao Presidente da Câmara e à sua equipa e transmitir a necessidade de valorizarmos este património, e que teve uma recetividade fantástica por parte do executivo autárquico.
Em relação aos Murais em concreto, sabemos que o Município de Oeiras tem apostado muito na arte urbana – no passeio marítimo e nos túneis – e constatamos que esses murais mantêm-se. Ora, tendo isso em conta, assim como facto o Bairro dos Faroleiros, com os seus 3 blocos e 18 habitações, estar virado para a linha de comboio e suas paredes estarem, de certa forma, vandalizadas, referi esta questão ao Presidente Isaltino Morais, o qual abraçou imediatamente a ideia de o reabilitar.
Foi muito interessante ver a reação das pessoas, até durante à feitura dos murais, o qual foi levado a cabo durante a época balnear e onde as pessoas inclusivamente batiam palmas. Considero que tal levou também a que as pessoas que habitam o Bairro dos Faroleiros ganhassem uma maior autoestima. Por outro lado, e a reboque desta reabilitação, sabemos que a Câmara vai melhorar a questão do parqueamento e já tem uma série de outras iniciativas na área previstas… e tudo começou com os Murais. Foi uma aposta ganha.
A localização da Direção de Faróis em Oeiras traz vantagens para o próprio órgão e para os projetos que desenvolve?
A localização é a ideal. Qualquer pessoa percebe que a localização da Direção de Faróis aqui em Oeiras é a sua posição natural. Um território como o concelho de Oeiras – o 2.º nacional no que diz respeito ao PIB per capita – e que está na crista da onda da inovação e desenvolvimento, garante que só tenhamos a ganhar com esta localização. Por arrastamento, quer queiramos quer não, também somos levados nessa onda e beneficiamos da mesma.
Temos a Escola Superior Náutica aqui mesmo ao nosso lado, a qual perfaz 100 anos em 2024 como nós, e com quem temos muitas parcerias e acordos e onde vários estagiários desenvolvem aqui as suas tarefas. Estamos também perto da Faculdade de Motricidade Humana e com quem temos vários protocolos estabelecidos. Temos também o Clube Desportivo de Paço de Arcos aqui próximo e que recorre à nossa rampa nas suas atividades. Estamos próximos dos Bombeiros de Algés e do Instituto de Socorros a Náufragos, onde todas as ações de formação são desenvolvidas aqui na nossa doca. Portanto, tudo isto só é possível ou facilitado devido à sua localização neste concelho, a que acresce a sua beleza natural e o enquadramento privilegiado.
Em boa hora se sediou a Direção de Faróis no concelho de Oeiras.
Na vertente do assinalamento marítimo, a Direção de Faróis tem estado empenhada no desenvolvimento eletrónico. Pode partilhar alguns dos principais projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento a este nível?
Em termos gerais, é preciso sublinhar que nós acompanhamos as linhas internacionais em termos tecnológicos e procuramos mantermo-nos atualizados, nomeadamente no que diz respeito à automatização dos faróis. Primeiramente, a nível internacional, houve uma automatização analógica e agora está a decorrer uma segunda fase que diz respeito à automatização digital. Isto é, muitos dos sistemas que anteriormente referimos que eram analógicos, neste momento já são resolvidos a nível digital.
No que concerne a um desenvolvimento tecnológico levado a cabo pela Direção de Faróis, há um projeto muito interessante que foi desenvolvido há uns anos e que foi denominado “Sistema Costa Segura”. Este sistema desenvolvido aqui consiste numa série de estações que estão distribuídas nas principais entradas portuárias de Portugal e que funciona como uma ferramenta de apoio à decisão do Capitão de Porto responsável.
Estas estações possuem uma câmara (que pode ter visão noturna ou não) e esta está estrategicamente colocada na entrada de uma barra e associada a um sistema de radar e de identificação marítima, providenciando uma ajuda importante ao Capitão de Porto na sua decisão, por exemplo, das entradas prioritárias de navios quando há condições difíceis ou mesmo quando houver um acidente de poluição, de modo a conter e reduzir os danos o melhor possível.
Ainda recentemente, uma equipa foi enviada à Guiné-Bissau, dado o interesse manifestado por este país pelo sistema desenvolvido na Direção de Faróis. Sabemos que Timor também já manifestou essa pretensão.
Que outros projetos gostaria de destacar que esteja a ser desenvolvido ou em fase de desenvolvimento?
No âmbito da cooperação técnico-militar, nós desenvolvemos relações com os países da CPLP – Comunidade de Países da Língua Portuguesa. Nesta esfera, fomos nós que edificámos todo o sistema de assinalamento marítimo de São Tomé e Príncipe e assumimos também a responsabilidade de periodicamente lá dirigirmo-nos para fazermos as manutenções necessárias. Posso dizer que desde que foi implementado este sistema, e apesar dos meios que existem, como o GPS, houve uma redução de mais de 80% das mortes no mar por causa do assinalamento marítimo. As comunidades piscatórias e locais continuam a apoiar-se muito no assinalamento marítimo.
Quais as vantagens deste desenvolvimento destes projetos para os portugueses, em particular para a população do Município de Oeiras?
A vantagem óbvia diz respeito à Segurança. Porém, é preciso também ter em conta que somos o parceiro natural relativamente ao desenvolvimento tecnológico. A título ilustrativo, a Marinha tem agora uma zona livre tecnológica junto a Setúbal, no qual nós somos, de certa forma, a rampa de lançamento para essa zona em concreto.
E o nosso campo de ação vai além do desenvolvimento tecnológico interno da Marinha e da Autoridade Marítima, onde são testados aqui drones e outros equipamentos. O próprio Instituto Hidrográfico, recorre à Direção de Faróis quando precisa de aferir as condições de alguns equipamentos. Nesse sentido, procuramos contribuir para toda a comunidade e não apenas no que diz respeito a entidades públicas, mas também em relação à Academia e ao mundo empresarial.
A questão do património é também indubitavelmente uma vertente muito importante. Nós temos muitos faróis que são classificados, como o caso do Forte de São Lourenço – o Bugio –, que o Município de Oeiras tem apoiado e se tem esforçado muito para o manter.
Como referi anteriormente, nós temos muitos faróis centenários e ainda recentemente fomos celebrar os 100 anos do Farol do Cabo Mondego. No futuro, vamos também celebrar os 250 anos do Farol do Cabo da Roca e em janeiro vamos celebrar os 100 anos do Farol de Vila Real de Santo António. Um património comum e de uma riqueza incalculável.
No meu modesto entender, o modelo nacional que nós temos de apoio e manutenção dos faróis é eficiente e requer custos muito baixos para manter este património. Considero que o futuro partirá por fazer estas parcerias com as Autarquias onde os faróis estão localizados para que se valorizem mutuamente. Sabemos que não há autarquia e comunidade que não tenha orgulho no seu farol e que não queira ver o seu farol bem tratado. Acredito que o futuro passa por fazer esta gestão o melhor possível para que consigamos manter as famílias e os faroleiros nos faróis que habitam, mas que também possam ser usufruídos pelas pessoas que os visitam.
Existem até muitas iniciativas. Por exemplo, neste momento está a desenvolver-se o Caminho marítimo de Santiago. Ora, nós fomos logo um dos primeiros organismos a ser contactado para que os faróis estivessem integrados nesse Caminho. Outro exemplo pertinente diz respeito a criar um circuito de faróis europeu, sobre o qual até já conversámos com o responsável francês dos Faróis e Balizas de França.
O futuro também poderá passar por fazer parcerias internacionais com outros países e com a União Europeia, visando a manutenção desse património e sua valorização para usufruto de quem os procura, pois faz parte da nossa memória coletiva.
A título de curiosidade, a nossa costa foi conhecida em tempos como a “Costa Negra” devido à ausência de assinalamento marítimo e foi principalmente no séc. XVIII, alegadamente por pressão do embaixador francês, que houve um grande desenvolvimento do assinalamento marítimo em Portugal.
As primeiras “luzes” que existiram foram as ordens religiosas que – preocupadas com a salvação das almas de quem andava no mar – mantinham os fogos para que as pessoas pudessem regressar salvas a casa. Portanto, e em suma, há toda uma memória coletiva que é necessário conservar.
Os faroleiros são, por assim dizer, homens das sete profissões: são técnicos de assinalamento marítimo, são carpinteiros, são eletricistas, são pintores e relações-públicas… Para mim, é uma honra e privilégio estar a servir nesta Direção e com estas pessoas.