À conversa com o Oeiras Valley, o chefe da Divisão de Inovação e Transformação, o Capitão-de-Fragata João Carlos Lourenço da Piedade, falou sobre os protocolos de cooperação recentemente assinados entre Marinha e Oeiras: um para a promoção da inovação e outro para beneficiação do Aquário Vasco da Gama.
Em entrevista, falou sobre como Oeiras pode “contribuir de alguma forma para os desafios que a Marinha tem em termos tecnológicos. No decorrer da conversa, falou também sobre o protocolo de beneficiação do Aquário Vasco da Gama que pode contribuir para a preservação do património histórico e cultural de Portugal.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho do Capitão-de-Fragata João Carlos Lourenço da Piedade, que está na Marinha há mais de 30 anos.
Qual é a importância da cooperação entre a Marinha e o Município de Oeiras para acelerar o desenvolvimento tecnológico e potenciar o aumento da atratividade e fixação de talento em Oeiras?
Há um protocolo mais abrangente que está ligado à inovação e assim poderá estar ligado a essa fixação de talentos. No fundo, tem como objetivo dinamizar esta relação entre a Marinha e Oeiras, para Oeiras também contribuir de alguma forma para os desafios que a Marinha tem em termos tecnológicos. Sendo Oeiras um concelho que tem um historial recente muito ligado à tecnologia, que tem uma série de empresas de enorme relevo a nível nacional ligadas a novas tecnologias e com soluções muito inovadoras, certamente este protocolo irá tentar trazer esses talentos também para o mar, para o lado da economia azul. Mas também tentar que haja aqui uma ligação para responder aos tais desafios que a Marinha tem em termos tecnológicos, para enfrentar as ameaças de futuro e também todas os desafios que nós temos de operação no mar neste mundo, com novas tecnologias e tecnologias emergentes a surgir diariamente.
E que desafios concretamente são esses que a Marinha tem que ultrapassar?
Todos os sistemas militares e sistemas que nós chamamos legacy, portanto sistemas tradicionais, são sistemas que têm elevados custos. São sistemas que tradicionalmente não podem ser adquiridos em Portugal porque não há ninguém a desenvolver este tipo de sistemas. O que a Marinha está a tentar junto do tecido industrial nacional – não só junto de Oeiras, mas do tecido industrial nacional – é identificar algumas das áreas que poderão, com o conhecimento que é residente em Portugal, com as empresas que temos e com as tecnologias desenvolvidas em Portugal, encontrar forma de desenvolver, com as tais tecnologias emergentes e disruptivas, novas soluções que sejam mais baratas. No fundo, dar um salto tecnológico, não a seguir a curva normal e ir atrás da aquisição das tecnologias normais ligadas à parte militar e à parte naval especificamente, mas sim dar um salto tecnológico para soluções mais disruptivas, formas de operar disruptivas no mar.
Posso dar um exemplo. Uma das coisas que nós procuramos e que é um desafio é os sensores. Qualquer sensor hoje em dia tem preços muito elevados porque também tem um longo caminho de investigação que é preciso percorrer. No entanto, há outro tipo de tecnologias que estão a surgir que provavelmente conseguem, com as tais soluções ou abordagens disruptivas, baixar o valor desses sensores para colocar a bordo das unidades navais.
De que forma a beneficiação do Aquário Vasco da Gama pode contribuir para a preservação do património histórico e cultural de Portugal?
O Aquário Vasco da Gama tem uma coleção muito grande ligada ao legado do Rei Carlos I, que era oceanógrafo. Esta colaboração com Oeiras vem não só contribuir para preservar o legado, mas também para divulgar esse legado junto das escolas. O trabalho que tem sido desenvolvido recentemente nos últimos dois anos, já em colaboração com Oeiras, tem sido um trabalho muito significativo. O que o Aquário é hoje é muito diferente do que era há dois anos, também muito mais tecnológico e voltado para as novas gerações. Há a capacidade até de online conseguirmos aceder ao legado do Rei D.Carlos e que poderá também se visitado no Aquário Vasco da Gama. Portanto, é um Aquário completamente diferente. Também com a ajuda de Oeiras.
Como é que a cooperação entre a Marinha e o Município de Oeiras pode contribuir para a construção de uma rede internacional de inovação e cooperação tecnológica em Portugal e no mundo?
A forma como a Marinha encara a inovação é como uma abordagem aberta e colaborativa. A inovação não se faz sozinha. Tem que ser feita em parceria com a academia e com a indústria. E, de alguma forma, o que a Marinha tem feito nos últimos anos é também construir ou desenvolver uma série de infraestruturas para alavancar estas colaborações. Uma delas, é o Centro de Experimentação Operacional da Marinha, situado em Tróia, que é a primeira Zona Livre Tecnológica em Portugal, que de alguma forma fica disponível também para as empresas poderem testar em ambiente real novas soluções.
A forma como a Marinha pode alavancar esse desenvolvimento de novas soluções é exatamente através destes protocolos, estabelecendo relações com a indústria e a indústria ter sempre um utilizador final lado a lado quando se está a fazer o desenvolvimento. Quando há desenvolvimento de novas tecnologias com aplicação no oceano, desde o primeiro momento podem ser feitos lado a lado com a Marinha para a identificação dos requisitos, mas também para ajudar na experimentação em ambiente real. Dessa forma, achamos que conseguimos acelerar muito o desenvolvimento dessas novas soluções porque quebramos muito tempo de experimentação e de teste com esta colaboração com as empresas.
Que oportunidades é que estes protocolos trazem para as duas entidades em termos de pesquisa e inovação científica no setor de Aeronáutica, Espaço e Defesa?
Na área da defesa, é óbvio. A Marinha onde se move é na área da defesa, mas também na área da segurança marítima. Na área da aeronáutica, o Centro de Experimentação Operacional da Marinha é uma Zona Livre Tecnológica e tem espaço aéreo reservado para a experimentação.
É raro encontrar este tipo de espaços para fazer este tipo de experimentações, não só em Portugal, mas em toda a Europa. Temos vários parceiros internacionais que nos têm contactado exatamente para utilizar a Zona Livre Tecnológica para fazer alguma experimentação e isso revela de alguma forma a necessidade de haver esse tipo de espaços. Portanto, na área da Aeronáutica, sem dúvida podemos também colaborar.
E, na área do espaço, muito focado também na utilização do espaço em apoio às operações de segurança e defesa marítima, que é a área onde a Marinha tem mais conhecimento.
De que forma a cooperação entre a Marinha e o Município de Oeiras pode beneficiar a população local?
Indiretamente, sem dúvida, que poderá ser atrativo para mais empresas trazerem mais conhecimento para Oeiras e outro tipo de empresas se fixarem – também fruto não só diretamente do protocolo, mas no fundo da facilidade de relação entre Oeiras e a Marinha e a utilização do Centro de Experimentação Operacional. Sem dúvida é uma mais valia para as empresas que se fixarem agora.
Diretamente, tem grande relevância a colaboração com o Aquário Vasco da Gama e a forma como estamos a trabalhar com as escolas, contribuindo para alargar o conhecimento sobre o Oceano e para a formação das novas gerações.
E se tivesse de indicar apenas uma vantagem das várias que este tipo de cooperações traz, qual é que é a mais importante?
No fundo, o conhecimento é fundamental para a inovação. E quando falo no conhecimento é conhecer os produtos e as capacidades das empresas que, não só em Oeiras como em Portugal, mas em Oeiras por via do protocolo, nos aproximam muito das empresas que estão sediadas em Oeiras. Esse conhecimento e essa ligação estreita permite também muitas vezes acelerar o desenvolvimento porque sabemos o conhecimento que está residente nas empresas e a sua capacidade para desenvolver soluções.
Vou mudar aqui um bocadinho o foco para concretamente a divisão de inovação e transformação da Marinha. Começava por perguntar qual é o papel desta divisão no todo que é a Marinha?
A divisão tem atuação essencialmente como facilitadora de inovação. Nós não somos inovadores, somos facilitadores da inovação. A divisão está muito focada em fazer esta ponte entre a indústria e a academia e a Marinha. É um dos princípios das principais missões desta divisão: fazer a ponte entre o mundo civil e a Marinha.
Também, de alguma forma, identificar alguns financiamentos para este tipo de soluções e depois fazer a monitorização de todos os projetos que estamos a desenvolver. Isto é, de uma forma muito resumida e muito simples aquilo que nós fazemos na Divisão de Inovação.
Falou exatamente de projetos que estão a desenvolver algo que gostaria de destacar ou mais do que um, que considere realmente diferenciador.
Nós temos vários projetos financiados, mas acho que um dos projetos que começou a ser desenvolvido não só na divisão de Inovação, mas em parceria com o Comando Naval, foi a implementação da Zona Livre Tecnológica. Acho que, sem dúvida, é um projeto transformador, não só para a Marinha, mas pode ser um projeto transformador para Portugal, porque é uma Zona Livre Tecnológica, focada no mar, focada em encontrar soluções para utilizar no mar. Permite experimentar essas soluções num ambiente muito próximo ao ambiente real e muito próximo das situações reais que poderão ser encontradas. Acho que realmente é um projeto que foi muito interessante de desenvolver e que no futuro de certeza que vamos ouvir falar muito sobre a Zona Livre Tecnológica Infante D. Henrique.