Cinco projetos de investigação com potencial para transferência para a indústria foram premiados na segunda edição do Fundo de Prova de Conceito InnOValley (IOV PoC). O Oeiras Valley esteve à conversa com os vencedores.
O investigador Vítor Cabral, do Instituto Gulbenkian da Ciência, lidera um projeto para uma nova geração de probióticos para o tratamento da inflamação intestinal. Margarida Archer, do ITQB NOVA, lidera uma investigação de proteínas de engenharia computacional para diagnóstico de vírus emergentes como o Zika e para os quais ainda não há vacina disponível. Mónica Serrano, investigadora do ITQB NOVA, lidera a investigação de uma nanoplataforma para a deteção de agentes patogénicos. Ana Pina, do ITQB NOVA, lidera uma projeto relacionado com o desenvolvimento de baterias biológicas à base de colagénio para aplicações eletrónicas cutâneas. E Maria Miragaia, também do ITQB NOVA, está a investigar, com a equipa que lidera, nova classe de antibióticos de precisão contra a pneumonia multirresistente.
Cada um dos vencedores irá receber 50 mil euros para confirmar os dados preliminares da investigação premiada e obter nova propriedade intelectual e industrial num período de 12 meses.
Conheça melhor os projetos vencedores através das palavras dos Rostos da Ciência premiados pelos seus projetos de investigação promissores.
Quais são os resultados que espera alcançar com a terapia probiótica de “próxima geração” no tratamento da inflamação intestinal?
Vitor Cabral: O nosso trabalho foca-se num probiótico de nova geração para o tratamento de doenças inflamatórias do intestino (IBD). Ao contrário dos probióticos clássicos, obtidos maioritariamente a partir de processos de fermentação, os probióticos de nova geração são bactérias nativas de comunidades bacterianas que vivem em hospedeiros. No caso concreto do nosso probiótico, é uma bactéria nativa dos intestinos de mamíferos, incluindo humanos. O trabalho que desenvolvo em colaboração com a Dra. Rita Oliveira, no laboratório da Dra. Karina Xavier, na Gulbenkian, demonstra a proteção que esta bactéria oferece em contexto de IBD, protegendo contra infeções, muito comuns em pacientes, e acelerando o processo de recuperação da proteção que é perdida aquando do tratamento com medicação anti-inflamatória ou com antibióticos. Este financiamento vai permitir-nos expandir o efeito da nossa terapia, tanto estudando o efeito direto direto nos episódios inflamatórios, que são a raiz dos problemas clínicos dos pacientes que sofrem com estas doenças, assim como estudar o efeito protetor protetor do nosso probiótico noutras patologias com essa mesma raiz inflamatória intestinal, tal como obesidade.
O seu projeto prevê o desenvolvimento de uma alternativa mais rápida e simples aos testes PCR. Em que é que consistirá essa alternativa de forma prática?
Mónica Serrano: Hoje em dia, os testes de diagnóstico das doenças infeciosas são baseados em técnicas de amplificação de ácidos nucleicos, normalmente PCR. Este tipo de testes moleculares é extremamente sensível e a sua introdução no mercado veio revolucionar o campo do diagnóstico ao permitir a deteção de infeções mais precocemente do que anteriormente era possível. No entanto, existem várias limitações para o uso em larga escala dos testes moleculares baseados em PCR. Uma das maiores limitações é a necessidade de produção e purificação das enzimas utilizadas nos testes. O custo e a complexidade associada à produção destes reagentes são muitas vezes um obstáculo para uma vigilância em larga escala e contínua antes, durante e após um surto infecioso. Vamos com este projeto abordar esta limitação com o desenvolvimento de uma plataforma para a produção mais rápida e barata destes reagentes.
A equipa envolvida neste projeto já desenvolveu anteriormente um teste sensível e de baixo custo baseado em (RT-)LAMP para diagnóstico da COVID-19. Como configurado inicialmente, no entanto, o teste ainda dependia da produção de enzimas e da purificação em várias etapas. Agora queremos tornar o (RT-)LAMP ainda mais simples e acessível usando esporos de Bacillus subtilis como uma plataforma biocatalisadora resistente ao stress para a deteção por (RT-)LAMP de qualquer patógeno relevante. Esta plataforma utiliza proteínas da camada mais externa dos esporos de B. subtilis como transportadoras das duas enzimas usadas no (RT-)LAMP: uma DNA polimerase e uma transcriptase reversa (RT). O esporo de B. subtilis tem sido usado com sucesso para a exibição de enzimas ou antígenos para aplicações biotecnológicas e biomédicas, mas nunca foi usado no diagnóstico molecular.
De que forma a investigação da sua equipa poderá contribuir para o diagnóstico de vírus emergentes como o Zika?
Margarida Archer: O projeto irá contribuir para o desenvolvimento de testes de diagnóstico e de vacinas contra o vírus Zika (e Dengue). Iremos utilizar uma estratégia multidisciplinar para desenvolver proteínas através de análise computacional que contenham zonas existentes apenas do vírus Zika (epitopos) para a sua utilização em testes de diagnóstico e que imitem os anticorpos humanos contra vírus Zika (e Dengue) que possam ser utilizados no desenvolvimento de vacinas profiláticas e terapêuticas. Claro que há todo um longo caminho a percorrer até chegar a estes objetivos, este prémio permite-nos prosseguir estudos, em conjunto com colaboradores do Instituto Gulbenkian de Ciência e Fiocruz-Recife.
De onde surgiu a ideia de fazer esta investigação?
Margarida Archer: “Serendipidade”. É engraçado como a Ciência também é feita de (felizes) acasos. Investigadores da Fiocruz vieram ao ITQB NOVA apresentar o seu trabalho de biologia computacional e imunologia na área dos Flavivírus. Posteriormente tiveram interação com vários grupos do ITQB NOVA. Quando conversámos, criámos logo uma empatia e começámos a pensar como poderíamos juntar os nossos conhecimentos, que são complementares. Assim “nasceu” o projeto, que foi sendo desenvolvido ao longo de vários anos, contando atualmente com a participação de grupo do IGC e ainda com outros parceiros. É muito interessante ver como se criam pontes que estreitam as distâncias entre os países. Estamos muito entusiasmados com o prémio Oeiras InnoValley para prosseguir nestes estudos e alcançar os objetivos de desenvolvimento de testes de diagnóstico e tratamento de vírus Zika. Esta investigação pode ainda estender-se a outros flavivírus como Dengue, Febre amarela e Chikungunia.
Que vantagens práticas para a população o projeto que lidera poderá ter no futuro?
Ana Pina: O campo da pele artificial eletrónica é uma área que visa criar dispositivos eletrónicos flexíveis que imitam as funcionalidades da pele humana. A pele eletrónica é geralmente usada em aplicações de saúde, robótica e eletrónica vestível para monitorar sinais vitais, movimentos musculares e a interação com o ambiente.
As baterias são a fonte de energia mais utilizada para qualquer sistema de pele eletrónica e atualmente, há também uma necessidade de desenvolver materiais para baterias totalmente biocompatíveis necessários para integrar sistemas de pele eletrónica. As baterias convencionais de lítio são rígidas e compostas por materiais perigosos, comprometendo assim a segurança dos dispositivos de pele eletrónica. As fontes de energia alternativas (por exemplo, células de combustível biológicas e baterias enzimáticas) são sustentáveis, mas apresentam limitações em termos de flexibilidade e elasticidade. A procura por fontes de energia mais limpas e sustentáveis é uma preocupação global crescente devido ao aumento dos custos de energia e ao aquecimento global associado ao uso de combustíveis fósseis.
Sistemas de pele eletrónica autoalimentados por materiais biológicos são esperados como uma nova contribuição para uma sociedade que depende de soluções de energia mais limpas, sustentáveis e eficientes.
O nosso projeto visa desenvolver uma bateria inovadora ultrafina, flexível e leve, inteiramente feita de biomateriais que imitam o colagénio, e assim as funcionalidades da pele, como também capaz de fornecer energia a dispositivos de pele eletrónica para monitorização da saúde.
As baterias propostas no projeto oferecem uma fonte de energia mais limpa e sustentável. O facto destas baterias serem compostas à base de péptidos que imitam o colagénio possuem várias vantagens em relação às tradicionais, uma vez que são feitas de recursos biológicos, tornando-as ecologicamente corretas, ambientalmente sustentáveis e com as propriedades ideias para melhor mimetizar a pele humana. O desenvolvimento de baterias à base de materiais que mimetizam o colagénio levam à minimização da pegada de carbono associada à produção de energia, contribuindo assim para um futuro mais sustentável.
Que resultados a nova classe de antibióticos de precisão contra infecções causadas por bactérias multirresistentes de Klebsiella pneumoniae já apresentou até agora no ambiente de investigação?
Maria Miragaia: Em laboratório sintetizámos um composto metálico, completamente novo, que demonstrámos ter a capacidade de matar 99.7% da população de bactérias multiresistentes de Klebsiella pneumoniae testadas, não apresentando atividade atividade contra outro tipo de bactérias. Este composto é particularmente promissor e atrativo atrativo porque é completamente novo, tem propriedades físico-químicas que lhe permitem evitar os mecanismos de resistência habituais de K. pneumoniae, e apresenta um processo de síntese química simples com um ótimo ótimo rendimento e pureza. Adicionalmente, o facto deste composto ter um espectro de atividade reduzido, torna-o num antibacteriano de precisão, mais seguro para a saúde humana, com atividade atividade dirigida ao agente patogénico e com impacto reduzido na restante microbiota humana.
Quais são as fases mais avançadas de desenvolvimento da sua investigação que espera obter com a bolsa que recebeu?
Maria Miragaia: O prémio atribuído será utilizado para validar e caracterizar em pormenor a atividade antimicrobiana do composto e determinar parâmetros físico-químicos essenciais para a sua futura produção e aplicação. Em particular, iremos determinar a concentração de composto que permite matar K. pneumoniae multiresistentes e proteger a flora bacteriana humana benigna; vamos identificar em que compartimento celular bacteriano o composto é acumulado; demonstrar que as bactérias dificilmente se tornarão resistentes a este composto; comprovar a baixa toxicidade de composto em células humanas; e ainda determinar a estabilidade e solubilidade do composto em condições relevantes para a sua utilização como antimicrobiano. Estes estudos permitirão desenhar estratégias de otimização do composto e a síntese de derivados mais estáveis e com uma maior atividade. Esperamos que os avanços alcançados com este prémio nos permitam patentear esta invenção e atrair o interesse da indústria farmacêutica e possíveis investidores.
Qual a importância desta prémio para o desenvolvimento desta investigação?
Ana Pina: Este prémio é uma peça fundamental para o desenvolvimento das baterias propostas no projeto pois permitir-nos-á ter os recursos essenciais quer em termos de equipamentos e materiais necessários para a concretização das tarefas experimentais da nossa investigação como para a contratação de recursos humanos para avançarmos as nossas descobertas. Este financiamento irá permitir-nos desenvolver um produto com elevado impacto tecnológico que poderá vir a revolucionar o campo da eletrónica através da criação de baterias compostos por materiais sustentáveis tais como péptidos que imitam o colagénio nas suas propriedades estruturais e funcionais, e que apresentam aplicações na medicina personalizada e eletrónica vestível.
Que balanço faz até agora da sua experiência nesta investigação?
Mónica Serrano: Este trabalho iniciou-se em 2020, durante a pandemia. Durante este tempo, a equipa envolvida neste projeto desenvolveu testes de baixo custo para o diagnóstico da COVID-19 em amostras de saliva. Em parceria com o Município de Oeiras, esses testes foram utilizados no início de 2022 para testar mais de quatro mil crianças, entre 3 e 11 anos, que frequentavam as escolas do concelho de Oeiras. Foi uma experiência incrível, em que a ciência e a cidadania estiveram juntas. A população escolar aderiu ao nosso teste, ajudando a comprovar sua robustez, e, ao mesmo tempo, foi possível identificar crianças, na sua maioria assintomáticas, com testes positivos para o SARS-CoV-2. Este projeto permitirá a continuação do trabalho de investigação desta equipa no desenvolvimento de testes de diagnóstico molecular a baixíssimo custo para a deteção de outros agentes patogénicos.
Acredita que a atribuição destas bolsas é um impulso para investigações como a sua?
Vitor Cabral: A atribuição desta bolsa é garantidamente um impulso na nossa investigação. A nossa investigação é maioritariamente fundamental, normalmente ficando aquém de estudos focados na aplicabilidade das nossas descobertas, gerando mais-valias científicas que podem ser mais tarde aproveitadas para estudos mais aprofundados. Com este tipo de financiamento, podemos dar um passo em frente e investirmos na aplicabilidade das nossas descobertas, estudando o seu potencial e impacto na sociedade e gerando assim um valor acrescentado e mais tangível do nosso trabalho. Estas iniciativas são fundamentais para encurtar a distância entre a investigação fundamental, que é essencial para a descoberta e progresso científicos, e o público em geral, que assim têm um mais rápido e eficaz acesso aos avanços científicos feitos em Portugal.