À conversa com o Oeiras Valley, a bastonária da Ordem dos Biólogos, Maria de Jesus Fernandes, falou sobre as Olimpíadas Portuguesas da Biologia 2023, cuja última eliminatória decorre nos próximos dias 21, 22 e 23 de abril em Oeiras.
Em entrevista, falou sobre como a parceria com o Município de Oeiras é “fundamental” para que a realização deste evento “seja possível” uma vez que envolve 50 jovens oriundos de vários sítios do país. No decorrer da conversa, Maria de Jesus Fernandes destacou também o “apoio concreto, quer do INIAV, quer do ITQB-NOVA” na realização das provas práticas nos seus laboratórios e dentro das instituições, mas também na preparação dos alunos finalistas que vão representar Portugal no estrangeiro.
No decorrer da conversa, a bastonária falou também sobre os objetivos da realização das Olimpíadas Portuguesas da Biologia que, além da prova, passam por “ajudar a formar cidadãos responsáveis, democraticamente integrados, com capacidade crítica, com conhecimento científico”.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho da bióloga Maria de Jesus Fernandes, que está há quase 30 anos no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e que se prepara para a reforma para se poder dedicar a tempo inteiro ao cargo de bastonária da Ordem dos Biólogos.
Nos próximos dias 21, 22 e 23 de abril, decorrem as Olimpíadas Portuguesas de Biologia de 2023. O que é que vai acontecer mais concretamente durante este dias?
Nestes dias, vão estar em Oeiras 50 jovens oriundos de todos os sítios do país, incluindo alguns que vêm das ilhas. Vão estar presentes jovens do 11.º e 12.º ano e alguns do 10.º. São jovens dos anos mais avançados que irão estar a fazer a última eliminatória das Olimpíadas Portuguesas de Biologia.
Estes jovens foram selecionados nas primeiras duas eliminatórias, num ranking de cerca de 10 mil alunos que concorreram este ano, e que fizeram provas online. Nesse universo da totalidade dos jovens que concorrem, são selecionados 50. Esses 50 vão fazer provas presenciais, com provas práticas feitas em laboratório. Por exemplo, podem-lhes dar um polvo para as mãos e eles têm de o dissecar e identificar todas as partes. Pode ser qualquer ser vivo ou parte do ser vivo para que trabalhem. Recorre-se a produtos que sejam usados na alimentação e, portanto, que sejam obtidos num mercado convencional. Obviamente, há aqui uma questão de deontológica que é bom marcar: não vamos sacrificar outros seres vivos. O que se pretende é que eles manipulem, usem e tenham trabalho laboratorial, que usem pipetas, micropipetas, microscópios, toda a panóplia de instrumentos que poderão existir num laboratório de biologia e que eles devem saber razoavelmente utilizar. O teste prático decorre durante uma manhã e é feito num dos institutos que nos dá apoio. Durante a tarde, terão um teste teórico.
Para além disso, vão passar duas noites e dois dias a Oeiras, vão ter muito convívio e paródia, usando uma expressão muito portuguesa. Esperemos que seja muito isso porque também essa parte da vivência, das amizades que se conseguem criar e das interações sociais são muito importantes e consideramos que elas são uma parte fundamental deste processo chamado Olimpíadas. Não é apenas a ciência pela ciência. De facto, este é um concurso de ciência, importa-nos motivar os jovens portugueses para a ciência, neste caso concreto, para a ciência biológica, mas também nos importa que esses jovens sejam alunos atentos, que sejam curiosos, que gostem de pesquisar, de investigar e de saber mais e que também saibam usufruir dessa coisa que é o contacto social e aproveitar o melhor possível disso.
Este ano não estamos nas mesmas condições, felizmente. No ano passado, que foi o primeiro ano que realizámos esta atividade em Oeiras, tínhamos saído de uma pandemia. Todos nós, os alunos também. E foi um mergulhar numa atividade presencial de interação com 60 ou 70 pessoas. Foi uma alegria imensa.
Considera que o programa científico proporcionado pelo Município de Oeiras para alunos e professores é um incentivo à participação neste evento?
As atividades paralelas são muitíssimo importantes. Não queremos promover jovens cientistas fechados no seu casulo. Queremos jovens que sejam cidadãos, cidadãos de pleno direito e de pleno exercício desse direito. Todas as atividades que lhes permitam uma melhor integração ou uma melhor relação com os outros e a vivência que têm é uma experiência fundamental. Vêm jovens de muitos pontos do país e, às vezes, o facto de virem de comboio de Castelo Branco ou de virem das ilhas participar neste evento é, por si só, uma aprendizagem para a vida.
Tudo ajuda a este evento e a que atinja os objetivos que se pretende. Os objetivos são, acima de tudo, de ajudar a formar para a cidadania cidadãos responsáveis, democraticamente integrados, com capacidade crítica, com conhecimento, com conhecimento científico neste caso, mas com capacidade crítica para olhar a sociedade. É muito importante para essa capacidade crítica que estejam disponíveis e abertos a outras formas de vida e de viver e os eventos culturais são fundamentais. Nesse sentido, temos de agradecer imenso à Oeiras Valley e ao município por nos acolher e por nos proporcionar, nós e a jovens, principalmente aos nossos jovens, uma panóplia de iniciativas das quais vão poder usufruir.
Qual a importância da parceria com o município de Oeiras e as instituições do concelho para a organização das Olimpíadas?
Para que este evento seja possível – envolver 50 jovens oriundos de muitos sítios do país e mantê-los durante três dias num local para poderem, por um lado, fazer as provas que fazem parte e que são o objeto principal desta iniciativa, mas também usufruir e conhecer a realidade, o território e a cultura que está nesse território e conviver entre si – é fundamental conseguirmos ter boas parcerias com os municípios e com as instituições de investigação de ciência. Nós somos apenas uma ordem profissional, somos um pivot que organiza isto, que faz a ponte com a Direção-Geral da Educação e o Ministério da Educação, para a organização e a promoção das várias Olimpíadas de Ciência nas quais estamos envolvidos.
Fazemos a ponte com as organizações internacionais porque depois os nossos jovens que forem selecionados vão ao estrangeiros. E trazemos muitas medalhas! Em termos nacionais, somos um país muito pequeno, mas depois trazemos imensas medalhas nessas realizações. Os nossos jovens são mesmo muito, muito dotados, muito empenhados, dominam muito bem o inglês e às vezes até outras línguas. Estabelecem relações fantásticas com os jovens de outros países, de outros países que vão do Irão ao Perú, passando por quase tudo. No ano passado, as provas foram na Arménia e trouxemos medalhas. Trazemos sempre medalhas e isso é muitíssimo interessante. Este ano, quatro dos nossos jovens, os primeiros classificados, irão ao Dubai e quatro dos nossos jovens vão a Madrid participar nas Olimpíadas ibero-americanas. Há sempre também este prémio final que é a possibilidade de os nossos olímpicos participarem nas Olimpíadas de Biologia Internacionais.
Como as escolas podem incentivar e preparar os seus estudantes para participar das Olimpíadas Portuguesas de Biologia?
Há um trabalho que vem já de longa data. Ao longo dos anos foi-se estabelecendo, mais do que uma parceria, uma colaboração estreita e uma espécie de acordo de confiança entre os professores e a Ordem dos Biólogos. Os professores revêem na Ordem e na organização destas Olimpíadas algo de valor e que justifica o seu empenho. Tem havido sempre ao longo dos anos até uma procura: quando nos atrasamos uns dias a divulgar as regras e as condições, os professores procuram-nos.
Em 2022, foram cerca de 800 escolas. É um universo muito considerável. Compete aos professores e fica do lado dos professores a capacidade de mobilizar os seus alunos. Claro que há muitos alunos que já procuram também participar porque participaram no 9.º ano, porque participaram no 10.º e porque agora querem habilitar-se a poder ir lá fora e poder usufruir desta coisa que é passar um fim de semana fantástico, num sítio incrível, a fazer coisas que eles gostam. Mais do que o resultado do teste – embora o resultado teste obviamente seja relevante já que todos nós gostamos de ganhar – os alunos vão porque o prazer de estar ali já é suficientemente compensador.
Se hoje acabasse as Olimpíadas Portuguesas de Biologia, acho que as escolas iriam reagir negativamente. Temos cerca de 10 mil alunos este ano, com cerca de 600 escolas.
Como é que as Olimpíadas Portuguesas de Biologia podem contribuir para o desenvolvimento da ciência em Portugal?
As Olimpíadas em si mesmas são uma gota de água, mas estimulam o interesse dos jovens e numa idade muito precoce. Tenho a certeza que os jovens que passam por esta experiência vão sempre seguir cursos na área das ciências da vida, seja ela medicina, biologia ou outros. E são jovens, normalmente, muito bons estudantes, regra geral com outras competências do ponto de vista da cidadania e, portanto, muito bem integrados na sociedade e que seguramente ajudarão ao desenvolvimento de facto da ciência, da cidadania, da sociedade em último grau. Portanto, sim, parece-me que são um bom contributo, sendo um contributo pequeno. 10 mil jovens é um universo pequeno do país, mas é um universo e não é desprezível.
O concelho de Oeiras alberga instituições de investigação em ciência muitíssimo relevantes e, no caso concreto das Olimpíadas da Biologia, temos já há uns anos um apoio concreto, quer do INIAV, quer do ITQB-NOVA, permitindo a realização das tais provas práticas nos seus laboratórios e dentro das instituições, abrindo as portas ao sábado para que isto possa acontecer, preparando e disponibilizando os materiais, e também preparando as provas para que tudo seja o mais isento possível. É preciso garantir que as provas não são do conhecimento dos alunos e que tudo isto está muito bem limado e o mais possível à prova de qualquer dúvida.
Por outro lado, também estas instituições têm apoiado na formação dos alunos e na preparação dos alunos que vão ao estrangeiro. Este ano vai decorrer, no final do mês de maio, provas de preparação dos alunos que forem selecionados agora em abril e que irão depois representar o país. Esses oito alunos irão ter uma preparação em laboratório no Instituto Gulbenkian de Ciência. Nesta área da ciência em Oeiras, vão estar a dar-nos um apoio direto no acolhimento destes alunos para as provas e depois na preparação dos alunos finalistas para irem representar o país no estrangeiro. Isso é fantástico e é obviamente muito relevante.
Para além destas, existe uma série de outras instituições do ensino superior que nos dão apoio na preparação dos alunos: temos o apoio da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, da Universidade de Aveiro e do Politécnico de Leiria.
Quais são as suas expetativas para esta edição das Olimpíadas Portuguesas de Biologia?
As minhas perspetivas são muito altas. O ano passado foi fantástico, mesmo tendo a noção clara que o ano passado viemos de uma emergência social completamente distinta e única – única para nós adultos, muito mais para jovens – e estranha. Estiveram uns dias fantásticos. Estou-me a lembrar de estarmos a passear no jardim com um sol fantástico e de os jovens a estarem usufruir muito profundamente de tudo aquilo, muito intensamente. Espero que seja uma experiência igual desse ponto de vista, cientificamente muito enriquecedora, mas também do ponto de vista social e humano, muitíssimo marcante e importante para a vida deles.
Para terminar, pedia-lhe um breve resumo do seu percurso profissional.
Eu sou bióloga, obviamente. Licenciei-me na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no início dos anos 80. Depois disso, fiz muitas coisas. Fui professora do ensino secundário, fui dirigente da administração pública e estou há quase 30 anos no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, onde fiz também um pouco de tudo.
Hoje, estou quase à beira da reforma. Preparo-me para isso até para me dedicar um pouco mais, em full-time, a esta tarefa que é muito nobre e muito absorvente. Fui fazendo muitas pós-graduações, mestrado, etc. É toda uma outra panóplia curricular, mas menos relevante do ponto de vista da minha experiência e da minha vida profissional.
Eu sou intrinsecamente bióloga, está me colado ao corpo, está me colado nos olhos com que vejo o mundo, com que analiso a paisagem, com que vejo as pessoas, com que me comporto até. Efetivamente eu não podia ter sido outra coisa. Sinto-me muito realizada com as minhas escolhas profissionais, fiz coisas ao longo da minha vida de que me orgulho imenso, quer enquanto professora nas várias fases de ensino pelas quais fui passando ao longo destes 40 e muitos anos de vida profissional, quer enquanto técnica e dirigente na área da conservação da natureza e das florestas. Há um conjunto de projetos de que me orgulho imenso e de pessoas com que me atravessei na vida, com quem cruzei, quem partilhei, que me encheram e me enchem as medidas.