
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) marca presença em Oeiras através de um polo dedicado à investigação na área do mar. Miguel Miranda, Presidente do IPMA, explica qual o trabalho desenvolvido neste polo e aquelas que são as ambições para o futuro.
O IPMA é uma instituição com um amplo campo de atuação a nível nacional e que está presente no dia a dia da vida dos portugueses. Tem responsabilidades em áreas que vão desde a meteorologia e o clima até à segurança alimentar dos produtos do mar e à investigação das pescas. Grande parte do trabalho em torno das matérias ligadas ao mar é feito em Oeiras, onde este instituto tem instalado um polo dotado de laboratórios de investigação de referência na área.
Em entrevista ao Oeiras Valley, Miguel Miranda, presidente do IPMA, explica quais são as principais áreas de atuação e os fatores distintivos do trabalho desenvolvido neste polo, vincando ainda as vantagens de estar instalado em Oeiras e as metas que estão a ser desenvolvidas também em parceria com o Concelho.
Quais são as valências do IPMA?
O IPMA é hoje uma instituição que está distribuída pela totalidade do país – tanto no continente como nas duas regiões autónomas – e que tem responsabilidades na área da meteorologia, do clima, do mar, da geologia marinha, da meteorologia aeronáutica, da segurança alimentar dos produtos do mar e da investigação das pescas. Portanto, todos os processos naturais que decorrem na atmosfera ou no oceano, e muitos dos que decorrem na terra sólida – em particular os sismos – são seguidos pelo IPMA, em ligação com as diversas redes mundiais de vigilância do sistema terrestre. Temos uma equipa com entre cinco e seis centenas de pessoas – das quais um pouco menos de 100 são investigadores – e em todas estas áreas somos capazes de fazer investigação, operação e vigilância.
Qual e como se mede o valor acrescentado do trabalho desenvolvido pelo IPMA?
Somos uma instituição com uma característica muito particular: estamos na vida de todas as pessoas todos os dias, quando pensam no tempo, mas também quando acontece um sismo em qualquer zona do território, ou quando, por exemplo, compram um produto alimentar do mar num supermercado. Do ponto de vista da vida de todos os dias, o que fazemos são algumas coisas que aparentemente são razoavelmente simples e que têm a ver com observar a terra, saber os fenómenos que estão a decorrer e ser capaz de prever a sua evolução futura.
Para o fazer, temos uma infraestrutura humana constituída por investigadores e técnicos altamente qualificados, uma infraestrutura material – navios, radares, estações de observação –, uma infraestrutura de tecnologias de informação – computadores, sistemas de arquivo de grandes dimensões – e estamos ligados às organizações mundiais como a Organização Meteorológica Mundial, as organizações de sismologia mundiais, ou a NAFO, que faz a gestão das pescas do norte do Atlântico.
Temos ainda uma das páginas na internet mais visitadas de Portugal. É um serviço onde se pode ir buscar dados de forma livre, e que qualquer cidadão ou qualquer empresa pode utilizar tanto para a sua vida corrente como para os negócios que quer montar. Portanto, estamos aqui para apoiar o setor económico, para apoiar os cidadãos e para apoiar as políticas públicas na medida em que elas precisam de saber, por exemplo, as previsões do clima ou as previsões oceânicas.
O que é que fazem em concreto aqui neste polo de Algés?
Se chegar de manhã, bastante cedo, daqui partem colegas que vão por exemplo às lotas fazer amostragem da pesca que ocorreu nesse dia, para se ser capaz de seguir a evolução das diferentes espécies de valor comercial em Portugal. Vai ver pessoas que saem daqui e vão buscar amostras de bivalves a qualquer local ou zona de produção – do Minho ao Algarve – para saber, por exemplo, se existem quantidades de coliformes fecais acima do nível que é possível para a alimentação humana ou se existem volumes de algas tóxicas que tenham gerado biotoxinas que podem ter efeitos paralisantes, diarreicos ou outros.
Ao longo do dia vão também chegando aqui produtores que têm acordos connosco e que trazem amostras. Nos laboratórios agarram nessas amostras, processam-nas, analisam-nas, veem os resultados, e a partir daí nós emitimos regularmente classificações a dizer: “aqui pode-se comer”, “ali não se pode comer” ou “ali tem de se esperar”.
Ao mesmo tempo, temos colegas que estão nos seus laboratórios a pensar qual é o principal problema que vamos ter no futuro próximo, por exemplo no que diz respeito às neurotoxinas, que ainda têm um efeito não muito relevante aqui em Portugal, mas que estão claramente a aumentar. Como é que nós nos vamos preparar para sermos capazes de as detetar antes que tenham efeitos significativos sobre a população?
Todos os trabalhos desenvolvidos no IPMA envolvem meios e, portanto, pode-se chegar aqui uma manhã e ver equipas de investigação que estão a partir para o mar, numa das nossas embarcações, equipas que estão a fazer investigações que podem ser de geologia marinha, para saber qual era o clima há 10 mil anos, ou que podem ser para saber qual é o estado do stock de sardinha. Qualquer destas perguntas é respondida pelo IPMA.
Estamos a falar, portanto, de um espectro de atuação muito amplo…
É que o Oceano é único e a Terra é única, e hoje em dia é complicado distinguir se o que se está a observar no oceano é um efeito do clima, se o que se está a observar no clima é um efeito do oceano, e se o que se está a observar na terra sólida tem alguma coisa a ver com a variação do nível do mar. Portanto, o sistema terrestre é um sistema complexo, onde cada vez mais temos de ser multidisciplinares. Temos de compreender as várias interações e o nosso papel é esse: estar aqui a tentar compreender as interações, mas não sozinhos. Nós estamos fortemente enraizados na comunidade científica nacional, porque trabalhamos em rede com todas as universidades e todos os grupos do país que têm significado científico.
Estamos aqui há muitos anos, praticamente desde os anos 60. Mas temos aqui sinergias relevantes com o polo da Quinta do Marquês
Quais as vantagens para o IPMA de estar em Oeiras, tendo em conta a existência de um ecossistema com entidades ligadas à área científica?
Estamos aqui há muitos anos, praticamente desde os anos 60. Mas temos aqui sinergias relevantes com o polo da Quinta do Marquês, onde está o INIAV – uma instituição com a qual temos relações muito próximas –, onde está o ITQB, onde está o iBET. Também trabalhamos com a Universidade Nova de Lisboa que também está aqui em Oeiras, na área da economia da pesca, onde temos várias iniciativas; trabalhamos com a Universidade de Lisboa nas áreas da tecnologia, da geofísica e da engenharia oceânica.
Pode dar exemplos de sinergias e parcerias concretas que têm com entidades de Oeiras?
Com o INIAV, que é uma instituição “prima” da nossa, partilhamos o programa da alimentação e da segurança alimentar, com iniciativas comuns – e que irão seguramente crescer com o tempo.
Partilhamos interesses com o ITQB na área da biotecnologia, essencialmente no que para nós se chama simplesmente de “valorização”. Ou seja, nós temos um produto do mar, mas para que este tenha valor económico mais significativo, tem de ser regularizado: temos de criar produtos derivados mais alinhados com os interesses alimentares dos cidadãos. Partilhamos também interesses na área da bioprospecção, porque temos uma grande capacidade de presença no mar, pelo que a existência de princípios ativos que são recolhidos durante as campanhas e a possibilidade de identificar neles princípios que sejam importantes do ponto de vista económico para biotecnologia é também uma área crescente.
Temos uma ligação que queremos também agora consolidar com a operação do nosso navio Mário Ruivo com a Escola Náutica Infante D. Henrique, em que temos como principal objetivo que este seja uma espécie de navio escola da ENIDH. Temos uma parceria muito interessante com o Aquário Vasco da Gama para a realização de ensaios em organismos aquáticos para fins de investigação e desenvolvimento. E temos intenções de criar maior proximidade com as outras organizações científicas que nós sabemos têm propósito de se aproximar aqui do rio e de ficar aqui neste contínuo que vem desde o Museu dos Combatentes e que provavelmente só acabará perto de Oeiras, ou antes no Jamor.
Todo o futuro está no conhecimento, na gestão do conhecimento e na qualidade. E aquilo que nos permite estar a lançar as novas iniciativas que vão surgir rapidamente, em particular em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, é exatamente esta ideia de que o conhecimento tem que estar na gênese das transformações que vão ocorrer nos próximos anos. E é aí que nós encontramos os nossos pontos de cooperação e que irão seguramente dar resultados rapidamente.
E como é que se processa essa parceria com o Município de Oeiras?
Chegamos a uma altura em que temos de desfragmentar os pequenos grupos que existem – uma universidade A, uma universidade B e outra universidade C – e temos de ser capazes de juntar capacidade suficientemente competitiva para irmos à arena internacional e afirmarmo-nos como um ator relevante na mudança tecnológica que está a ocorrer. E, na nossa área do mar, temos objetivo de reunir aqui neste campus – e nas áreas vizinhas – a capacidade científica que está, atualmente, dispersa na zona da Grande Lisboa e criar um ambiente cosmopolita internacional de investigação que ponha esta área, Grande Lisboa e Oeiras, em absoluto, no mapa.
Temos objetivo de reunir aqui neste campus – e nas áreas vizinhas – a capacidade científica que está, atualmente, dispersa na zona da Grande Lisboa e criar um ambiente cosmopolita internacional de investigação que ponha esta área, Grande Lisboa e Oeiras, em absoluto, no mapa
E “pôr no mapa” significa sermos capazes de ter cá os melhores do mundo: jovens com interesse, capacidade e vontade de fazer diferente. E nós temos de os atrair para cá e fazê-los sentirem-se bem. Ao nosso alcance está darmos bons instrumentos científicos, bons laboratórios, bom ambiente de trabalho, ser uma plataforma de encontro das várias comunidades internacionais que, ao passarem por aqui, trocam experiências, trocam ambições, trocam sonhos.
Olhando um pouco há frente, o que gostaria que daqui a três ou dez anos este polo fosse?
Daqui a três anos eu quero ver junto deste edifício, uma estrutura tecnológica onde os grupos de investigação e os jovens das universidades da zona da Grande Lisboa estejam a desenvolver equipamentos, a testá-los no mar, a ser capazes de ter acesso à água e à tecnologia. Dentro de dez anos, quero ver aqui uma comunidade em que a percentagem de jovens de outros países seja significativa — quase 50% — e que sejamos capazes de ter pessoas que vão daqui para Barcelona e de Barcelona para aqui. E sermos capazes de ser um dos pontos em que se cria novidade.
Dentro de dez anos, quero ver aqui uma comunidade em que a percentagem de jovens de outros países seja significativa: quase 50%
Esperamos grandes novidades da Califórnia, esperamos agora novidades da zona à volta de Londres por causa das vacinas, esperamos das zonas à volta das grandes cidades industriais novas da China, da zona do vale de Paris. Mas nós precisamos de também ter aqui – nesta frente ribeirinha, que estamos todos a conceptualizar – esta capacidade de sermos uma zona de onde as coisas aparecem.
E para isso, precisamos de ter aqui multiculturalidade, competitividade, espírito aberto, capacidade de correr riscos. E isso exige componentes que são científicas e tecnológicas, mas exige também componentes de capital de risco. Capital que esteja disponível para as novas iniciativas, de criação de jovens empresas, de maturação de ideias, de criação de sinergias e de acordo. Portanto, é muito importante, por exemplo, atrair para cá atores de outros países da Europa, em particular daqueles que têm mais similaridades connosco na área do Atlântico, como a Noruega, França, Inglaterra e Espanha.