À conversa com o Oeiras Valley, um dos fundadores da NANOMAT, o Professor Rodrigo Martins, deu a conhecer o trabalho que a associação se propõe realizar na investigação e no desenvolvimento de materiais sustentáveis funcionais e estruturais avançados, as nanotecnologias, e de se ter um laboratório de referência de nanoanálise para apoiar todo este desenvolvimento e servir as indústrias e as regiões. No decorrer da conversa, falou da parceria com Oeiras, dando destaque à forma como o município valoriza a inovação.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho de Rodrigo Martins tendo em vista o desenvolvimento de materiais abundantes e amigos do ambiente à nanoescala, de forma a diminuir a quantidade de material utilizado nas diferentes aplicações e contribuir assim para uma sociedade sustentável.
Em entrevista, Rodrigo Martins falou ainda dos vários resultados práticos que podem surgir da parceria, que considera vital para a prosperidade e bem-estar numa sociedade que se pretende que seja sustentável, entre a NANOMAT e o Município de Oeiras, evidenciando o facto de o concelho reconhecer que o desenvolvimento e a inovação têm de ser sustentados pela evidência científica.
Considerando o “potencial” de Oeiras no apoio à inovação, Rodrigo Martins adiantou que a investigação dos materiais avançados poderá, por exemplo, permitir ao munícipe tocar numa vitrine da Câmara para receber informações, sem ser necessário deslocar-se ao balcão, tirando proveito da chamada eletrónica transparente, de que são pioneiros, a nível mundial.
A NANOMAT é uma associação relativamente recente focada na investigação e desenvolvimento de múltiplas áreas, em que os materiais avançados e as nanotecnologias são multiplicadores e aceleradores do desenvolvimento. O que levou à necessidade da criação da NANOMAT?
A ideia de se criar a NANOMAT surgiu porque nós, os fundadores (nomeadamente eu, a professora Elvira Fortunato, o professor Rogério Colaço e a professora Fátima Montemor), estávamos convictos de que havia pontos fulcrais nas áreas de investigação e desenvolvimento entre as duas escolas de engenharia da região de Lisboa (IST e FCT NOVA), que nos complementavam e uniam. Um deles era que em todos os desenvolvimentos em todas as áreas científicas, os materiais são os ativadores e os aceleradores do progresso.
Portanto, se quisermos ter um mundo sustentável, é necessário que pensemos os materiais à nanoescala, para tentarmos mitigar a quantidade de material que vamos utilizar e potenciar o maior número de aplicações. Tudo isto requer que existam infraestruturas para nanoanálise e nanofabricação que servissem esses interesses, não só da investigação, mas que servisse o futuro e o escalonamento industrial desses resultados, em que as regiões possam tirar proveito de toda essa riqueza que podemos gerar: empresas que exploram o conhecimento e preparadas para os desafios da sustentabilidade.
“Se quisermos ter um mundo sustentável, é necessário que pensemos os materiais à nanoescala, para tentarmos mitigar a quantidade de material que vamos utilizar e potenciar o maior número de aplicações”
Vimos que havia fortes complementaridades entre aquilo que fazíamos aqui do lado da Universidade Nova e que o Instituto Superior Técnico ia fazer. Era o momento ideal para tentarmos unir as duas escolas de engenharia da região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e que servisse esta região. Tivemos a ideia de querer unir todas as autarquias associadas à região no sentido de mitigar e potenciar interesses comuns, na qual a NANOMAT seria a associação de chapéu, que iria agregar todos os interesses comuns das autarquias e potenciar as parcerias com a indústria.
Discutimos esta primeira ideia com o então ministro [da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior], Manuel Heitor, que aceitou e não colocou nenhum obstáculo, mas disse que devíamos promover este tipo de ação a nível nacional. Portanto, acho que temos o mérito, a par de uma imensa gratidão aos nossos reitores que nos apoiaram, por termos conseguido unir todas as autarquias na região de LVT em torno de um projeto comum. Começámos por Oeiras porque é um município que investe fortemente na inovação e na ciência.
Na sua leitura, quais os maiores contributos da associação para o desenvolvimento dos materiais avançados e aplicações?
Vivemos uma época em que tudo o que se fala tem a ver com a sustentabilidade. Neste sentido, temos desafios alinhados com os objetivos das Nações Unidas, que são a responsabilidade e ética no consumo daquilo que utilizamos. Sabemos selecionar os materiais e qual o seu impacto ambiental – se só temos um planeta, não há planeta substituto, pelo que queremos com isso contribuir para apoiar o desenvolvimento industrial, responsável, que se inspire em tecnologias amigas do ambiente, usando materiais eco-sustentáveis.
Quando falamos em sustentabilidade, estamos a falar em utilizar tecnologias amigas do ambiente, que têm muito baixo consumo de energia e que são pouco poluentes, ou seja, nas quais a pegada do CO2 seja mínima e de custos aceitáveis. Significa, quando atuarmos na área do processamento, fabricar e desenhar novos materiais que sejam capazes de ter funções múltiplas. Esta é uma área em que nós, com todo o respeito, somos excecionais a nível mundial, com destaque particular para os prémios ganhos pela professora Elvira Fortunato na área da eletrónica sustentável, considerada uma das grandes inventoras do século a nível global.
“Vivemos uma época em que tudo o que se fala tem a ver com a sustentabilidade. Sabemos selecionar os materiais e qual o seu impacto ambiental – se só temos um planeta, não há planeta substituto, pelo que temos de agir já.”
É necessário desenhar os novos materiais e, no domínio da nanoescala, é importantíssimo sabermos de que forma a estrutura e as nanopartículas vão intervencionar no desempenho de novos dispositivos. Um exemplo simples é o ouro – todos sabemos que o ouro é amarelo, mas à nanoescala é vermelho. Eu posso fazer a engenharia daquilo que eu quiser e à nanoescala modifico totalmente as propriedades dos materiais.
Queremos agregar em torno deste projeto um conjunto de indústrias que vão desde as áreas de ciências da vida à área da energia e telecomunicações. Precisamos de ter novos materiais para a energia. Por exemplo, fala-se do hidrogénio, mas as pessoas têm de ter a noção de que o transporte do hidrogénio não pode ser feito com os meios normais. Se utilizar uma canalização de aço inox, o hidrogénio torna-a tão frágil como um vidro, pelo que tem de se saber como armazenar e transportar o mesmo. Portanto, isto também tem uma outra faceta, que é a da literacia, a de dar conhecimento ao cidadão.
“Queremos uma sociedade sustentável, que faça proveito e melhor uso das matérias-primas, de forma a desenhar novos circuitos e novos materiais – e isso pode ser feito à nanoescala. Este trabalho permite reduzir, no mínimo, mil vezes ou dez mil vezes o material necessário para fabricar um circuito ou um sistema.”
Acima de tudo, queremos uma sociedade sustentável, que faça proveito e melhor uso das matérias-primas, de forma a desenhar novos circuitos e novos materiais à nanoescala. Este trabalho permite reduzir, no mínimo, mil vezes ou dez mil vezes menos o material necessário para fabricar um circuito ou um sistema e com isso contribuímos de forma notável para uma industria responsável de futuro.
O mesmo acontece com a eletrónica, em particular para dar resposta à crise de microchips. Uma das áreas que consideramos relevante é a de fazer dispositivos que sejam recicláveis e de muito baixo custo, onde podemos utilizar técnicas que descobrimos e onde somos pioneiros, como a eletrónica transparente ou a eletrónica do papel. O que queremos é pensar o futuro e de como o podemos projetar. Pensar de forma diferente, de forma a ganharmos mais aderentes ao conceito da indústria de futuro sustentável, através da educação, formação e criação de produtos inovativos.
Pode partilhar alguns dos principais projetos com o cunho da NANOMAT que estejam previstos para o futuro?
Os domínios onde queremos desenvolver projetos são exatamente na parte de eletrónica sustentável, na eletrónica flexível, na eletrónica conformada, na área de ciências da saúde, na área da construção inteligente, como exemplos. Queremos apoiar as nossas empresas e sintetizar novos materiais e desenvolver novas tecnologias verdes, ou seja, utilizar processamentos em que o consumo de energia seja muito baixo.
“É possível utilizar o processamento à temperatura ambiente, enquanto nas tecnologias convencionais são necessários, no mínimo, 700-1200 graus centígrados, por exemplo, para processar um circuito eletrónico. Ou seja, há um enorme ganho em termos de redução dos consumos energéticos.”
Por exemplo, para desenvolver materiais com recurso a eletrónica transparente, podemos processar os materiais à temperatura ambiente e utilizar impressoras comuns para imprimir em papel. Na eletrónica transparente, posso utilizar tecnologias verdes, com recurso a materiais como o óxido de zinco – utilizado na nossa comida, nos cosméticos –, entre outros materiais inorgânicos, bem como diferentes materiais orgâncico que nos ajudam a mimetizar a natureza. E para tudo isto, é possível utilizar o processamento à temperatura ambiente, enquanto nas tecnologias convencionais são necessários, no mínimo, 700-1200 graus centígrados, por exemplo, para processar um circuito eletrónico. Ou seja, há um enorme ganho em termos de redução dos consumos energéticos. É evidente que é utópico dizer que não há CO2. Há sempre CO2, mas são valores inexoravelmente inferiores ao que acontece com os processos convencionais.
No futuro, queremos mudar o paradigma para não se repetir aquilo que já se faz, mas fazer diferente e melhor.
A NANOMAT tem um extenso rol de parcerias com instituições de ensino superior, entidades do tecido empresarial e municípios. Um deles é o concelho de Oeiras. Quais os resultados práticos que podem surgir no Município e para a NANOMAT resultantes das sinergias entre ambas?
No caso específico de Oeiras são imensos, porque o concelho de Oeiras reconhece ou já reconheceu que o desenvolvimento e a inovação têm de ser sustentados pela evidência científica. Aquilo que pensamos para o futuro passa pela criação de polos de desenvolvimento cruzados, envolvendo a academia e a indústria que promovam a dinamização e investimento dos municípios para criarem e gerarem mais riqueza com base nos conhecimentos adquiridos. Esta será indústria de futuro que penso as regiões pretendem ver surgir, não só pela riqueza económica que vão gerar, mas pelo seu contributo para o bem-estar e conforto dos cidadãos.
Penso que todos aqueles que se juntaram a nós acreditam que criamos uma forma de pensar diferente e que temos uma ideia de sustentabilidade, que marca a diferença nos seus projetos. Agora, é preciso juntos caminharmos. Há um provérbio africano que utilizo com frequência – “Se estás com pressa, vai sozinho. Se queres ir mais longe, vem acompanhado”. E é isto que queremos: queremos ir acompanhados.
Quer destacar algum projeto a desenvolver no futuro no âmbito desta parceria, especificamente com o Município de Oeiras?
Pretendemos criar um grande laboratório de nanoanálise e de tecnologias na região de Lisboa Vale do Tejo, que sirva todas as indústrias dessa zona e também o País. Para a concretização desta ideia temos dois hubs– dois centros principais de atuação -, que são a FCT NOVA e o Instituto Superior Técnico.
O objetivo, no fim de contas, é colocar à disposição dos municípios todo este conhecimento, tarefa muitas vezes complexa. Já trabalho em investigação há muitos anos e penso que sei criar saber e criar riqueza de ciência, mas há uma coisa para a qual não sou vocacionado: tirar proveito económico da riqueza que criamos. Temos de resolver problemas que são imediatos e, portanto, aproveitar esse potencial que existe nas Câmaras, nomeadamente em Oeiras. A nossa visão é gerar novos conhecimentos e colocá-los ao serviço da comunidade.
“Já trabalho em investigação há muitos anos e penso que sei criar saber e criar riqueza de ciência, mas há uma coisa para a qual não sou vocacionado: tirar proveito da riqueza que criamos. Temos de resolver problemas que são imediatos e, portanto, aproveitar esse potencial que existe nas Câmaras, nomeadamente em Oeiras.”
De todo um conjunto de materiais estruturais que temos disponível, há um problema claro com baterias, que é o de saber como é que vai ser a bateria de futuro. Atualmente, as baterias em grande medida produzidas com base em eletrólitos. Sou apologista de que devemos explorar estes materiais já, independentemente de possíveis problemas de segurança associados a eletrólitos líquidos. Mas, entretanto, devemos começar juntos a pensar as baterias do futuro. Daqui a 15 anos, as baterias serão de estado sólido, muitíssimo mais seguras do que as de eletrólito, e pensamos, como uma arquitetura totalmente diferente da que atualmente conhecemos.
Quais as vantagens desta parceria para os portugueses, em particular para a população do Município de Oeiras?
Há vários exemplos. No domínio da sustentabilidade, por exemplo, as placas de circuito impresso são feitas de cobre e placas duras, não conformáveis. No entanto, podemos fazer placas de circuito impresso em papel, usando grafeno resultante da conversão do carbono que existe na superfície do papel que, quando reciclado, o impacto no ambiente é praticamente desprezável, pois podemos reutilizá-lo.
É um erro de conceção nosso – nós não sabemos reutilizar os materiais. Temos de educar as pessoas para isso. Mas, neste meio termo, é necessário produzir materiais que possam ser reciclados facilmente e reutilizados.
Numa outra área, a eletrónica flexível, é possível implementar nas autarquias, sistemas de localização e de reconhecimento embebidos nas paredes/vitrines. Por exemplo, ser possível tocar numa vitrine da sede da Câmara Municipal para saber uma informação, sem ser necessário pedir informações ao balcão. Em suma, devemos ter em atenção que tudo aquilo que é produzido pode ser reciclado facilmente, uma vez que tem impacto no conforto e bem-estar das pessoas e na sustentabilidade do nosso planeta. É isso que as pessoas querem.
“Numa outra área, a eletrónica flexível, é possível implementar nas autarquias, sistemas de localização e de reconhecimento embebidos nas paredes/vitrines. Por exemplo, ser possível tocar numa vitrine da sede da Câmara Municipal para saber uma informação, sem ser necessário pedir informações ao balcão.”
Por exemplo, os testes à diabetes utilizam geralmente um chip ou uma placa similar, constituídos por material polimérico ou silício, que dificulta o processo de seleção dos materiais para reciclagem, e implica que os mesmos sejam depositados em contentores especiais. Por outro lado, se for utilizada uma placa de papel, a reciclagem é muito mais fácil e o impacto no ambiente vai ser reduzido, substancialmente.