O iBET – Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica é uma instituição, sem fins lucrativos, dedicada à investigação de excelência em biotecnologia. Instalado em Oeiras há 30 anos, o iBET foi uma das entidades que integrou recentemente o consórcio Serology4COVID, para o desenvolvimento de testes serológicos. Em 10 dias, o iBET conseguiu produzir a proteína necessária para estes testes, um trabalho que normalmente demora um mês e meio. Paula Alves, CEO do iBET, explica em entrevista o que distingue a instituição que lidera e quais os principais desafios para o futuro.
Como surgiu a oportunidade do iBET estar envolvido no desenvolvimento dos testes serológicos do COVID-19?
Temos aqui no iBET muitas competências de investigação com foco na manipulação de vírus, quer numa perspetiva de desenvolvimento de vacinas, quer numa perspetiva de terapia génica. Neste sentido, fomos contactados pelo Instituto Gulbenkian de Ciência para integrar este consórcio que conta também com a participação do Instituto de Medicina Molecular, o Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade NOVA de Lisboa e o Centro de Estudos de Doenças Crónicas, também da Universidade NOVA de Lisboa. Este projeto foi desde logo apoiado pela Câmara Municipal de Oeiras e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Neste projeto, o papel do iBET foi o de produzir as proteínas virais necessárias para os testes serológicos. O iBET é a única destas instituições que tem capacidade para produzir estas proteínas em média-larga escala.
Recebemos dos EUA os plasmídeos que codificam essas proteínas no dia 3 de abril e no dia 13 de abril estávamos a entregá-las aos restantes membros do consórcio, um processo que geralmente demora um mês e meio.
Qual é a importância destes testes serológicos no atual contexto?
Estes testes são muito importantes porque vão permitir monitorizar e fazer um rastreio para saber se as pessoas já têm, ou não, anticorpos [contra o vírus, resultado de uma infeção] e se estes se mantêm [em circulação].
Quando é que estes testes chegarão ao mercado e serão massificados?
Nós já desenvolvemos todo o protocolo e o teste está pronto. Tendo já validado o teste nos laboratórios do consórcio, cabe agora ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, e depois ao Infarmed, decidir se o teste deverá ou não ser usado.
Recordo que este projeto surgiu numa altura em que havia escassez de máscaras e de outros equipamentos médicos e de proteção. Estávamos dependentes de fornecedores estrangeiros para abastecer o nosso país e a nossa ideia foi: “Nós sabemos fazer isto, vamos fazer testes made in Portugal”. Além de garantir a independência do estrangeiro, tivemos também a preocupação de desenvolver um teste com um custo mais baixo.
Agora precisamos de uma empresa que faça o aumento da escala e que leve os testes para o mercado.
Além desta fase, o consórcio vai continuar a fazer novas investigações no âmbito da COVID-19?
O propósito que levou à criação do consórcio já está concluído. Se as autoridades governamentais decidirem que querem ter um teste made in Portugal, um teste que use reagentes feitos em Portugal, então nessa próxima fase o iBET também estará envolvido, para ensinar a produzir as proteínas. Neste sentido, todo o consórcio estará envolvido na transferência de tecnologia e na sua validação.
Um dado curioso deste consórcio é que a grande maioria das entidades de investigação envolvidas estão instaladas em Oeiras. O que tem Oeiras atrativo para o desenvolvimento da ciência?
Este pólo de investigação está aqui há 30 anos e é um núcleo diferenciador nas áreas de biotecnologia, biomedicina e da agricultura. O facto de Oeiras ter tido a capacidade para trazer para aqui estas instituições que fazem ciência foi fundamental para termos tido este crescimento, esta aprendizagem conjunta e para podermos trabalhar em conjunto. O IMM está em Lisboa, mas muitos dos seus investigadores estiveram aqui, no IGC e no ITQB. Temos neste campus, uma bolha de excelência. Sentimo-nos acarinhados pela Câmara Municipal de Oeiras, que tem criado prémios de ciência e está aberta a ouvir as nossas sugestões.
O que distingue a investigação que se faz no iBET?
Somos realmente bons na área da biotecnologia e das ciências da vida. O iBET usa a ciência para resolver problemas concretos, foca-se numa investigação mais aplicada. A nossa missão é fazer investigação e desenvolvimento e pô-la ao serviço das empresas, da economia e da clínica. E é nisso que nos diferenciamos. Somos conhecidos internacionalmente pelo empenho e pela entrega. O iBET tem um prestígio internacional que nos permite ser diferenciadores nesta área da biotecnologia. Neste momento são mais as empresas que nos procuram do que aquelas que nós procuramos.
Essa proximidade do iBET às empresas está de alguma forma relacionada com a estrutura acionista do instituto?
O iBET é uma instituição privada, sem fins lucrativos criada há 30 anos e que juntou na sua estrutura empresas como a Sumol Compal, a Sovena, a Vitacress, a RAR, a Bial, a Medinfar, a Tecnimed, entre outras. Há 30 anos as empresas não tinham o seu próprio I&D e precisavam de ter acesso à investigação e a inovação para conseguirem diferenciar os seus produtos. E foi esse o objetivo que esteve sempre no ADN do iBET: conseguir organizar a investigação que se fazia na academia e pô-la ao serviço das empresas portuguesas.
Acredita que o futuro da ciência terá de passar necessariamente por uma maior proximidade das instituições de investigação às empresas?
Penso que tem de haver ciência e investigação a ser feita sem ter por objetivo a transferência imediata para a economia. Tem de haver investigação que gere conhecimento [pois esse conhecimento é a base da ciência]. Normalmente, são as entidades públicas que financiam essa investigação, porque é uma investigação que precisa de um investimento contínuo, durante muitos anos, e não tem um fim rápido à vista. Mas também é preciso perceber que além deste tipo de investigação também é necessária a investigação aplicada [pois é esse que gera riqueza]. Tem que haver as duas.
Como está organizado o iBET?
O iBET tem duas grandes divisões neste momento: a Health &Pharma e a Food & Health.
Na área de Health & Pharma basicamente trabalhamos produtos biológicos. Somos a única unidade do País com capacidade de desenvolver produtos biológicos desde o laboratório até à produção de lotes clínicos. Dentro desta área existem duas divisões: a unidade de serviços analíticos, certificada pelo Infarmed e que nos permite fazer a caraterização desses biológicos, e a unidade de produção e aumento de escala, que é um fator diferenciador, e que nos permite desenvolver metodologias para a produção de um biológico a uma escala industrial.
Além da área Health & Pharma temos também a área Food & Health, onde fazemos investigação de suporte à indústria agroalimentar. As empresas para diferenciarem os seus produtos no mercado muitas vezes precisam de inovação, de investigação e é a nós que recorrem. Trabalhamos muito na área da engenharia alimentar e ambiente, por exemplo, temos projetos com o objetivo de criar valor a partir de resíduos da indústria agroalimentar, ou com o objetivo de criar metodologias mais amigas do ambiente na extração destes compostos naturais e no tratamento de águas residuais.
Quais são os grandes objetivos do iBET para o futuro?
O mundo não para. Uma empresa hoje pode estar bem, mas isso não significa que o seu modelo funcione amanhã. Por isso, um dos maiores desafios é termos massa crítica que nos permita estar alerta para aquilo que se passa no mundo e identificar novas oportunidades.
Temos de perceber hoje o que será necessário daqui a cinco anos. Na área da Saúde e Farmacêutica, por exemplo, estamos a trabalhar em terapias celulares, em vacinas mais seguras, em produtos que nos levam a pensar em terapias personalizadas. Há também projetos interessantes na área alimentar, à medida que cada vez mais pessoas querem saber aquilo que comem e as preocupações com o meio ambiente vão crescendo.
É por esta razão que as pessoas são o cerne do iBET. Investimos nas pessoas para ter massa crítica motivada e alerta para conseguir identificar as próximas tendências.