
À conversa com o Oeiras Valley, o Presidente da Escola Superior Náutica Infante D.Henrique, o Professor Vitor Franco Correia, falou sobre o Blue Hub School, um ambicioso projeto que vai capacitar a instituição com simuladores e com um Centro Internacional de Segurança.
Mestre e Doutor em Engenharia, Vitor Franco Correia deu a conhecer os projetos de investigação em curso, a maioria ligados em áreas nas quais a indústria marítima está a sofrer uma transformação muito forte, como a descarbonização e a automação de navios. No decorrer da conversa, falou também sobre a “importante” localização da Escola em Oeiras e enalteceu o apoio da Câmara Municipal de Oeiras e a “relação de cooperação” que se tem estabelecido.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho de Vítor Franco Correia, professor que tomou posse em setembro de 2022 como Presidente da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique e que quer dinamizar e divulgar a instituição, ao longo do seu mandato.
Quando se tornou Presidente da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique em setembro destacou como prioritária a execução do projeto Blue Hub School. Que mudanças poderá trazer este ambicioso projeto?
O projeto Blue Hub School prevê uma série de investimentos para a Escola Superior Náutica. Vai capacitá-la com um Centro Internacional de Segurança, que vai permitir melhorar as condições atuais relativamente a treino de combate a incêndios, espaços confinados, abandono de embarcações, entre outros. Este treino é necessário para obter as certificações marítimas. Obviamente que temos essas condições hoje, mas a ideia é melhorá-las e capacitar melhor a Escola com esse tipo de equipamentos.
Por outro lado, ao nível dos laboratórios, também está prevista uma verba significativa para atualização daquilo que temos atualmente. Todos os cursos têm uma componente prática forte e esses equipamentos laboratoriais carecem de evolução. A esse nível, vamos também ter um incremento significativo que vai melhorar seguramente a qualidade dos cursos.
Temos também previstos mais equipamentos de simulação. Acabámos de inaugurar, em junho passado, um conjunto de simuladores, de navegação e de máquinas marítimas, que permitem reproduzir aquilo que é a situação do navio, tanto ao nível das manobras de navegação, como ao nível da máquina, com todas as inovações tecnológicas que têm existido ao nível dos navios. Há cada vez mais digitalização e cada vez mais automação. Há também um conjunto de navios que têm propulsões diesel-elétrico em que há todo um conjunto de treinos e de simulação que são necessários fazer. Portanto, essas valências também foram conseguidas. Teremos outros simuladores adicionais, nomeadamente ao nível do posicionamento dinâmico, que conseguem manter uma posição geoestacionária automática. Vamos também adquirir simuladores ao nível da gestão de transportes e gestão portuária, que era uma valência que não tínhamos.
Adicionalmente, está prevista a migração do polo de Lisboa do FOR-MAR, que está atualmente na zona de Algés, para a zona do campus. Esta instituição dedica-se aos cursos de nível de secundário ou profissionalizante, com cursos ao nível da mestrança e marinhagem.
O Blue Hub School engloba um montante de investimento de 7,5 milhões para a Escola Naútica e 7,5 milhões para a FOR-MAR – no caso da FOR-MAR, para os polos do país todo. Mas há uma fatia que também será utilizada na melhoria das condições de simulação e de treino, a esse nível da mestrança e marinhagem. O objetivo deste projeto será ter aqui no campus formação marítima que abarca a mestrança e marinhagem até aos oficiais da marinha mercante, ou seja, toda a gama de profissões marítimas.
Outro dos seus objetivos passava aliás por alargar o leque de cursos de formação ao longo da vida e de certificação marítima, prestação de serviços às empresas e realização de pós-graduações. Como é que pretende concretizar este objetivo? Por essa via?
Sim, essa é uma das vias. A instalação dos simuladores que acabei de referir no âmbito do PRR e o Blue Hub School que se vai agora desenvolver e que em princípio terminará, segundo a calendarização, em 2025, irá capacitar a escola com meios mais modernos. O orçamento das instituições de Ensino Superior é limitado, portanto temos que procurar captar receitas por outras vias e essa é uma das vias que permitirá à escola alargar as suas receitas próprias.
Mas é também importante porque os marítimos que têm de fazer periodicamente atualizações das suas certificações têm que encontrar na Escola uma instituição que vá dar resposta a essas necessidades. Por vezes, temos necessidade de juntar um número significativo de marítimos para que seja rentável realizar os cursos. Se nós conseguirmos alargar a oferta e divulgá-la de uma forma mais ampla, esperamos ter a capacidade de oferecer mais cursos e dessa forma ter uma melhor resposta.
A Escolha Naútica é a única escola nacional vocacionada para a formação de Oficiais da Marinha Mercante e de outras áreas. O posicionamento da instituição em Oeiras traz vantagens para o próprio órgão e para os projetos que desenvolve?
A escola tem uma posição junto ao mar fantástica, mas nem sempre utilizamos ou tiramos partido dessa localização. Outras escolas, nomeadamente a Universidade Nova aqui ao lado, também nos trouxe algumas ideias. Se há outras instituições que vêm para esta zona, que se localizam junto ao mar e tiram partido disso para captar alunos – e muitas vezes não tem cursos propriamente ligados à atividade marítima –, por muito mais força de razão nós, que temos cursos ligados à área marítima, deveríamos tentar tirar mais partido desta localização.
Obviamente, fazemos treino de mar e temos embarcações no espaço da Direção de Faróis ou na Marina de Oeiras. Não temos propriamente uma instalação nossa onde possamos atracar as embarcações – é algo que temos discutido com a Câmara Municipal de Oeiras. O ideal obviamente seria termos mesmo um cais da Escola, para ter as embarcações aqui próximo.
A nível dos desportos náuticos, temos a proximidade com o Clube Náutico de Paço de Arcos, onde temos encontrado umas valências interessantes. Temos um núcleo de alunos que gosta de vela, por exemplo, e que pratica com regularidade e temos algumas atividades de cooperação com este clube, que vamos agora englobar num protocolo e desenvolver mais. Desse ponto de vista, é muito importante esta localização e todo o apoio da Câmara Municipal de Oeiras. Tem sido uma uma relação de cooperação que acho que vai ser muito boa para a escola.
No seu discurso de tomada de posse, também defendeu a participação em mais projetos de investigação. Pode partilhar alguns dos principais projetos desenvolvidos e em desenvolvimento nos centros de investigação da Escola Náutica?
A maioria destes projetos são em áreas nas quais a indústria marítima em geral está a sofrer uma transformação muito forte. Tipicamente, o transporte marítimo é visto como algo sujo e poluidor. Mas a verdade é que há legislação bastante rigorosa relativamente àquilo que são emissões e àquilo que é, por exemplo, o tratamento das águas do lastro. Há regulamentos internacionais muito precisos e a IMO (International Maritime Organization) estabeleceu agora objetivos muito concretos para 2030 e 2050 no que diz respeito à descarbonização do transporte marítimo.
Um outro desafio muito grande é a digitalização: fala-se em navios autónomos ou pelo menos com algum grau elevado de autonomia. Talvez uma total autonomia seja uma utopia, mas a verdade é que estes dois assuntos carecem de investigação por parte das universidades ligadas à formação marítima. Temos parcerias importantes que fomos desenvolvendo com unidades de universidades da Noruega, nas quais também estes temas vão sendo abordados. Temos alguns projetos feitos com alunos, ao nível de embarcações autónomas, nos quais se testam as comunicações e os algoritmos de manobra.
Depois há projetos relacionados com a segurança marítima, como criar base de dados em que o objetivo é aprender com os acidentes e as suas causas e introduzir de alguma forma esse conhecimento no ensino, criando formas de os evitar no futuro. Há projetos relacionados com a digitalização do transporte marítimo e da atividade portuária, por exemplo.
As profissões marítimas são todo um mundo que está em mudança, que é pouco conhecido e que carece de investigação, e as instituições de Ensino Superior têm de estar envolvidas nisso.
Somos naturalmente um país muito ligado ao mar e estes projetos acabam por ter vantagens. Quais as vantagens do desenvolvimento destes projetos para os portugueses, em particular para a população do Município de Oeiras?
De uma maneira geral, a população tem pouca sensibilidade e pouco conhecimento para aquilo que são as profissões marítimas, o transporte marítimo e o que está envolvido. Temos tido aqui na escola uma afluência bastante grande ao nível dos cursos de pilotagem que é talvez aquele curso que, das profissões marítimas, tem uma maior visibilidade. Ao nível das engenharias, as pessoas não têm bem a noção da intervenção da engenharia ao nível do navio.
Há um grande desconhecimento e o que nós pretendemos fazer é apostar mais na divulgação do papel das engenharias nas profissões marítimas, apostar mais em divulgar a escola, aquilo que é a formação que se faz cá e aquilo que, do ponto de vista de carreira profissional, as pessoas podem esperar. As carreiras no mar são, normalmente, bastante bem remuneradas, comparativamente com aquilo que é hoje em dia a realidade em Portugal em termos de salários para um jovem por exemplo.
Hoje em dia, as certificações que se dão aqui na Escola são internacionais portanto são válidas internacionalmente. A esmagadora maioria dos nossos alunos trabalham em navios de bandeira internacional diversa. E isso normalmente é muito desconhecido.
Uma boa parte de profissionais marítimos que passa um conjunto de anos no mar decide a determinada altura enveredar por uma carreira em terra, e existem imensas oportunidades, por exemplo, ao nível das engenharias. A experiência do trabalho no navio é enorme e confere aos profissionais um conhecimento que depois em empresas industriais e de serviços, por exemplo, é extremamente valorizado.
Claro que é necessário de ter a noção de que trabalhar no mar não é exatamente o mesmo que em terra: as pessoas estão afastadas das famílias de alguma maneira durante um período relativamente mais longo do que numa profissão tradicional em terra. Isso tem as suas consequências ao nível do equilíbrio família-profissão e há que estar preparado para isso.
A escola tem tido uma evolução que considero ter sido positiva nos últimos anos. Temos neste momento uma equipa bastante motivada, com várias ideias que vamos tentar concretizar. Nos últimos meses, tentei ouvir o mais possível, tanto internamente como externamente, os vários interlocutores e pessoas do setor. É ainda uma tarefa incompleta.Temos que nos adaptar para responder aos novos desafios para que a escola tenha uma maior intervenção no setor. Gostaríamos de ter aqui na Escola um centro importante de conhecimento marítimo.