À conversa com o Oeiras Valley, a Vice-Reitora da Universidade NOVA de Lisboa, Isabel Rocha, falou sobre habitação universitária, sobre as parcerias entre o Município e a Universidade, e sobre novos projetos que estão a nascer em Oeiras.
Isabel Rocha é ainda Investigadora Principal no ITQB NOVA, onde coordena o Laboratório de Investigação em Biologia Sintética.
Doutorou-se na Universidade do Minho em Engenharia Química e Biológica e fez pós-doutoramento na Universidade Técnica da Dinamarca.
Faz investigação em Biotecnologia, cobrindo tópicos como Bioinformática, Engenharia Metabólica, Biologia Sintética e Biologia de Sistemas, e publicou mais de 140 artigos completos em revistas, livros e conferências internacionais.
A habitação universitária é uma preocupação partilhada pela Universidade NOVA e pelo Município. O que nos pode dizer sobre as residências universitárias que vão nascer em Oeiras?
De facto, a questão das residências universitárias, dirigidas quer à comunidade estudantil, quer à comunidade de investigadores, constitui uma preocupação muito grande para nós. Considerando a situação atual, em que temos em Oeiras maioritariamente atividades de investigação, o facto de não existirem residências limita muito a capacidade de atração de investigadores de outros locais do país e, também, de investigadores internacionais. Por um lado, falta habitação a custos controlados, mas por outro, também habitação flexível que permita estadias curtas, que é uma necessidade no que se refere a atividades de investigação.
Nesse sentido, temos estado a trabalhar com os vários parceiros do campus Agrotech, maioritariamente o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), que é a entidade responsável pelas instalações do Campus para, por um lado, reabilitar a residência que lá se encontra, mas também para aumentar a atual capacidade.
Haverá em breve mais notícias sobre este assunto, mas penso que poderemos concretizar a fase de concetualização e projeto durante os próximos meses para garantir dentro do prazo mais curto possível uma maior oferta para a comunidade estudantil e para a comunidade de investigadores e docentes convidados ou recrutados pelos nossos vários institutos.
A parceria entre a Universidade e o município é, no entanto, já muito antiga. Que outros projetos têm vindo a ser desenvolvidos?
A NOVA tem tido uma parceria muito frutuosa com o município de Oeiras, concretizada através de uma das nossas escolas, que é o Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), sediada desde sempre em Oeiras e que, para além de um Instituto de referência nacional e internacional, alberga umas centenas de investigadores e oferece formação variada ao nível da pós-graduação.
Ao longo dos últimos anos, essa relação tem-se traduzido, principalmente, em atividades que têm sido promovidas com outros institutos sediados em Oeiras, nomeadamente, o já referido INIAV, o Instituto Gulbenkian da Ciência (IGC), e o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBet). Essas atividades estão ligadas à ciência nas escolas, à educação em ciência, à ciência nos cidadãos ou ciência cidadã e, finalmente, à promoção da internacionalização. Foi estabelecido um protocolo, já há alguns anos, que tem dado origem a numerosas atividades relacionadas com a participação de estudantes e professores dos vários graus de ensino e restantes cidadãos em diversas iniciativas.
Posso dar como exemplo o Dia Aberto do ITQB que é apoiado pelo município, que foi um sucesso. Aconteceu em maio passado e é um evento anual, que teve uma interrupção devido à pandemia, e que regressou este ano. Nesse evento, não só as escolas e os estudantes do município podem participar, mas também toda a sociedade é bem-vinda para fazer experiências, para perceber como é que a ciência se faz. Tem sido uma iniciativa só possível pelo apoio do município.
Ao nível da internacionalização, o município tem também apoiado as referidas instituições, que incluem a NOVA, na atração de cientistas internacionais, incluindo através da construção de um local para permanências de curta duração. É importante, tendo em conta a dimensão dos institutos e a qualidade da ciência que aqui se faz, mantermo-nos sempre no ambiente internacional e sermos capazes de trazer cientistas de reputação internacional por curtos espaços de tempo que interajam com os nossos investigadores.
A área da inovação é talvez a área em que, por parte da NOVA, mais temos interagido de uma forma direta com o município. Essa colaboração traduz-se no apoio ao gabinete de transferência de conhecimento que presta serviço, quer ao ITQB, quer ao IGC, e que tem dado frutos muito significativos, tais como um aumento muito relevante do número de patentes que são registadas ou o dinamismo verificado na altura da pandemia de COVID-19, incluindo atração de empresas para projetos que foram desenvolvidos nessa altura.
Dou ainda destaque a um programa que tem sido apoiado pelo Município, que é o programa das Provas de Conceito, que tem financiado projetos que nascem da investigação e que têm o potencial de criar impacto, quer económico quer social, mas que precisam de um pequeno apoio para validar esse potencial impacto. Esse programa teve este ano a segunda edição e tem tido muito sucesso, visível na participação dos vários investigadores da NOVA.
Esperamos que seja uma semente para outros programas que estamos a conceber com o município para apoio ao lançamento de start-ups de base científica. A capacidade de criar valor a partir da investigação que se faz nos nossos grupos de investigação é uma área que queremos dinamizar pois temos consciência que não estamos ainda onde gostaríamos de estar, nomeadamente porque os empreendedores não têm o apoio que necessitam.
Nestas áreas do empreendedorismo de base científica ou de base tecnológica, que é a designação correta, esse apoio é diferente de outras áreas. Muitas vezes, esses empreendedores precisam, inclusive, de acesso a laboratórios, de infraestruturas muito específicas e, também, de um tipo de formação que não é uma formação que se aprenda nos cursos universitários. Com o apoio do município e em conjunto com os restantes parceiros, estamos a conceber um conjunto de iniciativas que cobrem essas lacunas ao nível da formação e que permitem, também, colmatar esses problemas de acesso a infraestruturas.
Há projetos novos em vista?
Há vários projetos na fase de conceção e durante os próximos meses irá haver notícias, certamente, sobre eles. Neste momento, eu focaria em dois, que são os que estão mais amadurecidos. O principal é certamente o novo instituto da NOVA em Medicina Sistémica e de Precisão, um instituto de investigação com a colaboração direta do MDC em Berlim na Alemanha, e que teve, recentemente, no início deste ano, a confirmação do apoio da Comissão Europeia, que classificou este projeto como 3º a nível europeu, e que pressupõe uma contrapartida nacional, totalizando quase 33 milhões € para os próximos seis anos.
O Instituto ambiciona ter, aproximadamente, 200 investigadores ao fim dos seis anos, a trabalharem nesta área interdisciplinar que conjuga a investigação biomédica com a ciência dos dados, e a biocomputação, para responder aos desafios de uma medicina que tem de ser cada vez mais personalizada. Não quer isto dizer que tenhamos de ter uma medicina para um indivíduo, mas nós hoje sabemos que muitos medicamentos têm um efeito muito positivo em grupos da população e não têm um efeito tão positivo noutros grupos, por variações genéticas na população. E isso é muito premente em áreas como, por exemplo, o cancro, em que cancros que, aparentemente, podem parecer semelhantes, respondem de formas muito diferenciadas a diferentes terapias, mas também é válido em muitas outras áreas.
Desde o início do ano, desde a sua conceção, e em parceria com o município, pensámos que a melhor localização deste Instituto seria em Oeiras, na Estação Agronómica, junto do nosso Instituto de Tecnologia Química e Biológica, do iBET, e do INIAV, porque isso permite formar um cluster e uma massa crítica que garante o sucesso destas várias iniciativas. Recentemente, também, a Universidade Católica anunciou que se vai juntar a este cluster, pelo que o novo Instituto vai ser o catalisador de uma série de outras atividades, nomeadamente nas áreas de inovação que eu falei há pouco, e que teremos oportunidade de desvendar em breve.
Uma outra iniciativa que também já foi aprovada e que estamos apenas a aguardar a validação do financiamento, é um laboratório colaborativo na área da gastronomia e que se irá localizar no Palácio da Flor da Murta e que reúne, para além da NOVA e da Câmara Municipal, que são dois parceiros formais deste projeto, um conjunto de instituições privadas que atuam na área da gastronomia.
Pretende ser um polo, não de investigação, mas de inovação, dedicado à Gastronomia, com três vertentes principais: uma delas é, seguramente, a parte tecnológica da confeção, a outra é a parte nutricional, e um terceiro vetor, a parte do património. Na NOVA temos investigação em todas estas áreas, envolvendo a Faculdade de Ciências e Tecnologia, a NOVA Medical School e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, para além do ITQB. O foco será a Gastronomia portuguesa, incluindo os pratos tradicionais portugueses, numa perspetiva de aplicação de tecnologias para apoiar na sua sofisticação, garantindo o equilíbrio nutricional e aplicando uma perspetiva de património, da memória, fomentando também o storytelling à volta da gastronomia.
Para além das áreas de inovação, vai ter uma componente muito forte de formação, não só para públicos especializados – pessoas que trabalham no sector ou que querem vir a trabalhar no sector – mas também para o público em geral, que queira fazer cursos curtos e, até, para turistas, como em muitos locais do mundo, garantindo o acesso destes a uma parte do património gastronómico do país.
Além de Vice-Reitora, é também investigadora Principal no ITQB NOVA, em Oeiras. Que balanço faz da Estratégia do município para a Ciência e Inovação?
Certamente é um balanço muito positivo. A minha interação, desde que estou na reitoria, há seis anos, é uma colaboração ao nível da universidade, que complementa a colaboração direta do ITQB. Reforço que há sempre um apoio entusiasmado às várias iniciativas que propomos ao município. Muitas vezes isso traduz-se num apoio financeiro, certamente para aquelas às quais é possível conceder esse apoio, mas também por vezes um apoio organizativo, muitas vezes na própria conceção, garantindo a ligação ao território. Penso que estas duas componentes se conjugam muito bem.
O município tem staff dedicado a estas áreas, o que também não é muito comum e me parece essencial, e que poderia constituir um bom exemplo para outros municípios que queiram trilhar esse caminho: ter pessoas que vão formando e estabelecendo relações com as várias instituições sediadas no município e que são os interlocutores para a realização de iniciativas, e garantem esse apoio organizativo.
Sem dúvida que todas as iniciativas de apoio à ciência são essenciais, mas gostava de realçar as iniciativas que têm a ver com a ciência e a sociedade. Vivemos momentos complexos em que, recentemente, a ciência demonstrou a sua importância para lidar com emergências que exigem soluções tecnológicas, soluções científicas. Penso que isso ficou demonstrado com a rapidez com que se desenvolveu a vacina para a COVID-19, mas também é de realçar a capacidade de resposta nacional para realização de testes COVID-19, que foram essenciais para controlar a disseminação da doença.
Foi uma resposta excecional e que só foi possível com a participação de entidades do ensino superior e de investigação, que tinham os equipamentos e conseguiram implementar os métodos que eram necessários para fazer essas análises. Os laboratórios que estavam no mercado não tinham o volume necessário, mas as universidades tinham essa capacidade. E com o apoio por vezes dos municípios, como foi o caso de Oeiras, conseguiram que essa resposta chegasse à população. Portanto, rapidamente se mostrou a importância de termos pessoas que conseguem utilizar equipamentos sofisticados, desenvolver técnicas sofisticadas e, rapidamente, conseguir transformar isso num produto ou num serviço que é essencial à população.
Obviamente, há uma relevância também económica ligada à ciência. É um caminho que ainda temos de percorrer. Há muitas empresas de base científica em Oeiras. Mas nós gostávamos que houvesse mais empresas cuja ciência tivesse nascido ali e estamos a trabalhar para isso. Demora algum tempo, mas estamos a criar as condições para isso, porque todos também sabemos, olhando para casos noutras regiões do mundo, que estas empresas de base científica são aquelas que têm um valor acrescentado mais alto, que permitem empregos qualificados, bem remunerados e, portanto, é um modelo de sociedade que nós queremos e no qual sabemos que temos de investir e que temos as ferramentas para isso, porque temos a ciência por trás. Portanto, só temos de ajudar a dar estes próximos passos.
Não gostava de deixar também passar a questão da relevância social. O município e as instituições de Oeiras têm feito, penso eu, um bom trabalho que tem de ser continuado nesse sentido, envolvendo a população em geral no mundo da ciência. Isso garante que as decisões que se tomam, quer a nível individual, quer coletivo, sejam baseadas em ciência, sejam baseadas em informação, permitindo-nos lutar contra os flagelos das fake news, dos radicalismos. É uma vacina, não a da COVID-19, mas outra, contra este tipo de fenómenos que vemos a progredirem assustadoramente; a ciência é uma das formas de lutarmos contra isso, mas para isso a ciência tem de chegar aos cidadãos.
Para terminar, como imagina o futuro da Educação e da Ciência em Oeiras?
Imagino que vai haver mais escolas, nomeadamente da NOVA, a irem para Oeiras ou a serem criadas em Oeiras. Novos institutos como este que eu acabei de referir, porque reúne-se lá um conjunto de condições muito, muito interessantes, obviamente a posição geográfica, mas certamente este apoio e a massa crítica que se está a gerar. Portanto, sem dúvida que isso irá acontecer.
Vejo que nós estamos a contribuir diretamente para isso, para o reforço da investigação em Ciências da Vida e da Saúde no município, porque, nestas áreas, a massa crítica atrai mais massa crítica, porque há equipamentos que custam 1 milhão € e que só faz sentido serem adquiridos se existirem centenas de investigadores a utilizá-los. A massa crítica garante ou é um dos garantes da qualidade da investigação. Estou certa de que, com a massa crítica que estamos a criar, isso vai atrair ainda mais massa crítica, espero que internacional e reforçando o papel de capital da Ciência e Inovação.