O Presidente da Agência Espacial Portuguesa, Ricardo Conde, conversou com o Oeiras Valley sobre o trabalho desenvolvido no âmbito da Estratégia “Portugal Espaço 2030”, com destaque para a primeira edição do Space Studies Program em Portugal, a decorrer em Oeiras.
Ricardo Conde, Presidente da Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space, esteve à conversa com o Oeiras Valley para falar sobre o trabalho desenvolvido no âmbito da Estratégia “Portugal Espaço 2030”.
Leia a entrevista e conheça as várias áreas de intervenção da Portugal Space nas descobertas científicas do Espaço. Descubra as missões espaciais com cunho português, a primeira edição do Space Studies Program em Portugal, em colaboração com o Instituto Superior Técnico e com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras, entre outras iniciativas para divulgação das temáticas do Espaço.
O Engenheiro Ricardo Conde explica, ainda, como a Portugal Space perspetiva o futuro da existência humana em órbita e de como a sustentabilidade da vida na Terra pode ser potenciada com os avanços tecnológicos no Espaço.
Engenheiro Ricardo Conde, encontramo-nos na Agência Espacial Portuguesa, Portugal Space, uma entidade que, apesar de ter uma história recente, está já a deixar o cunho português nas descobertas espaciais.
O que nos pode contar sobre o trabalho desenvolvido pela Portugal Space no âmbito da Estratégia “Portugal Espaço 2030”?
A Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space é uma instituição recente, criada em 2019, no âmbito da Estratégia Portugal Espaço 2020. A participação portuguesa nos temas do Espaço tem vindo a acentuar-se nos últimos 20 anos, quando Portugal ingressou na Agência Espacial Europeia. Desde então houve um reforço do crescimento do setor, incluindo a criação de novas empresas tecnológicas que participam no desenvolvimento de missões internacionais.
Portugal contribui, por isso, com muita propriedade, nos desenvolvimentos científicos do Espaço, em estreita articulação com a Agência Espacial Europeia e a NASA. Destacamos, por exemplo, a iniciativa ClearSpace, que visa a remoção do lixo espacial em órbita e o programa HERA, onde se estudam as ações para deflexão de asteroides.
Portugal assumiu com França a presidência do Conselho Ministerial da Agência Espacial Europeia para o período entre 2020 e 2023.
Na sua opinião, sabendo que Portugal ocupa agora um lugar central no setor espacial na Europa, quais os grandes contributos que os portugueses podem dar para as futuras descobertas espaciais?
Como disse, Portugal tem participado na Agência Espacial Europeia durante as últimas décadas, em diferentes missões de exploração espacial. Participamos também em novos serviços de desenvolvimento científico, em áreas transversais do Espaço.
Há um exemplo concreto, que é o programa Copernicus e o programa Galileo, dos quais resultam o GPS europeu e o GNSS, um sistema de navegação por satélite. Estes programas têm como base a constelação de satélites para posicionamento geoespacial, que servem um vasto conjunto de serviços de localização por todo o mundo.
“São muitos os exemplos nos quais Portugal tem o seu cunho, como agente principal, nas grandes descobertas científicas do Espaço.“
Portugal dispõe de uma Galileu Sensor Station, uma estação de terra que providencia serviços para o projeto Galileo. Participamos igualmente na conceção dos primeiros satélites e futuras versões desses equipamentos para o programa Copernicus.
Portugal participa também no programa Artemis, através da Agência Espacial Europeia, uma iniciativa que engloba experiências análogas para a colonização da lua e a extensão dos acordos da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla inglesa) até 2030.
No programa PROBA, onde se visa uma missão ao Sol, Portugal vai participar não só a nível de comunicações, mas igualmente no ground segment (estruturas terrestres), a partir da estação de 15 metros de Santa Maria.
São muitos os exemplos nos quais Portugal tem o seu cunho, como agente principal, nas grandes descobertas científicas do Espaço.
A Portugal Space e o Instituto Superior Técnico (IST) foram recentemente selecionados pela International Space University para organizar a próxima edição do Programa de Estudos Espaciais, o maior programa internacional de estudos espaciais em 2022. O Programa vai realizar-se no campus do Técnico, em Oeiras.
O que nos pode contar sobre este programa?
A Portugal Space desenvolveu, no passado, um curso intensivo de curta duração, que permitiu procurar uma oferta formativa mais estruturante na temática do Espaço.
O Space Studies Program (SSP) é um programa da International Space University, que irá ser realizado pela primeira vez, em Portugal, em 2022. O programa, um curso especializado que visa atrair mais de 150 alunos, é promovido pela Portugal Space e pelo Instituto Superior Técnico, durante os meses de junho a agosto.
O SSP representa uma oferta formativa especializada absolutamente essencial para quem queira trabalhar nesta área, muito similar a um MBA, e representa um marco no investimento em divulgação científica dos temas do Espaço.
A Agência Espacial Portuguesa tem também previsto um conjunto de iniciativas como forma de enriquecimento da formação. Por exemplo, uma campanha de lançamentos de voos de microgravidade, para a promoção das tecnologias do Espaço.
A colaboração entre a Portugal Space e o IST vai trazer a Portugal mais de uma centena de estudantes, professores e especialistas da Agência Espacial Europeia (ESA), da NASA e de outras agências espaciais.
Quais são as grandes vantagens competitivas de este programa estar a ser planeado em Portugal, nomeadamente em Oeiras?
Em Oeiras, com a marca Oeiras Valley, faz todo o sentido, até porque o próprio Instituto Superior Técnico tem um polo em Oeiras.
O programa SSP visa atrair especialistas de diferentes nacionalidades, da ESA, NASA e outras agências, para Portugal, nomeadamente Oeiras, durante três meses.
Para além de o curso estar orientado para uma vertente muito prática, vamos também desenvolver um workshop com vários astronautas a nível mundial, aberto à comunidade, como elemento potenciador da partilha de experiências.
Quando olhamos para os especialistas mundiais, a ESA é um pouco mais acessível a Portugal, por ser uma Agência de todos os países dos Estados Membros da União Europeia.
O Município criou a marca Oeiras Valley que, no essencial, pretende afirmar o concelho na área da Tecnologia, Ciência e Inovação, no qual está inserido o IST.
Como é que o conceito Oeiras Valley se alinha com os desafios institucionais na colaboração entre a Portugal Space e o IST? Estão previstos trabalhos a serem desenvolvidos em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras ou com a comunidade local?
Há uma noção cada vez menor de que o Espaço é uma área de elites, muito seletiva. Por outras palavras, há a ideia de que o Espaço não é para todos.
Nós estamos a caminhar no sentido em que, de facto, o Espaço está a tornar-se acessível para todos.
No SSP estão previstos alguns workshops abertos à comunidade, em particular no campus universitário do IST, para ir ao encontro das ambições de todos os interessados nas temáticas do Espaço, em particular dos estudantes.
Abrir estes workshops à comunidade é um passo relevante para fazer com que as pessoas estejam mais ligadas a estes assuntos e interajam com profissionais que desempenham um papel ativo no Espaço.
O apoio da Câmara Municipal de Oeiras à colaboração entre o Portugal Space e o IST foi fundamental para o desenvolvimento do SSP.
Já falámos um pouco sobre os contributos da Portugal Space no âmbito das descobertas do Espaço, mas seria interessante perceber como é visto este projeto aos olhos dos portugueses, da Europa e do Mundo.
Na sua perspetiva, como são vistos os assuntos do Espaço por estes diferentes públicos?
Há uma coisa que todos nós sabemos. O Espaço está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia.
O Espaço torna-se notícia, muitas vezes, pelo espetáculo, tais como os lançamentos da Space X e da Falcon 9, a aterragem de módulos, e ainda pelas conquistas da exploração espacial.
Associamos, com frequência, os astronautas a experiências em ambientes de microgravidade, mas também a missões icónicas de defesa planetária. Por exemplo, na deflexão de asteroides em rota de colisão com a Terra e na forma de alterarmos a sua trajetória.
Tudo isto passou do domínio da ficção para o domínio da realidade. Antigamente, olhávamos para o Espaço a partir da Terra. Hoje, olhamos para o Espaço a partir do Espaço. Estamos, cada vez mais, a caminhar para uma revolução industrial em órbita. Conhecemos já uma estação internacional, a ISS, mas no futuro vão existir dúzias de estações internacionais a orbitar a Terra.
“No final desta década, esta geração vai ditar aquilo que será a saída do nosso planeta e a existência de vida permanente em órbita.“
No final desta década, esta geração vai ditar aquilo que será a saída do nosso planeta e a existência de vida permanente em órbita. O Espaço vai estar orientado para as pessoas e, por isso, é fundamental interagir e formar os estudantes e todos aqueles que vão ser os atores principais desta revolução espacial.
A Portugal Space promove várias iniciativas alinhados com este desígnio. Por exemplo, a competição de Rockets (EuRoC), em Ponte de Sor, no qual participam mais de 20 países europeus. Estamos também a preparar a competição PocketSat, onde os participantes vão desenvolver o seu próprio projeto de satélites. Vamos igualmente lançar um evento para divulgação científica, através do programa Ciência Viva, sobre voos suborbitais, aberto a alunos do Ensino Secundário.
Todo este conjunto de iniciativas visa a promoção da literacia e o desenvolvimento de competências ao nível do Ensino Secundário e do Ensino Superior, para reforçar o papel ativo de Portugal nas descobertas do Espaço.
No ano de arranque da Portugal Space, a Agência Espacial Europeia recebeu o maior orçamento de sempre, no valor de 14,4 mil milhões de euros. Em particular, Portugal aumentou significativamente o seu investimento para este orçamento.
Sente que os apoios disponibilizados à Portugal Space são adequados para o cumprimento dos objetivos na Estratégia “Portugal Espaço 2030”?
Reconhecemos que existem fortes constrangimentos orçamentais na disponibilização de fundos à Portugal Space, em parte porque envolve dinheiro do Orçamento de Estado. Há, contudo, outros mecanismos de financiamento. A chave está na habilidade de articulação de diferentes fundos para a implementação da nossa estratégia nacional para o Espaço.
Um desses mecanismos é o aumento da subscrição de Portugal aos fundos da Agência Espacial Europeia. Em 2019, Portugal aumentou a sua contribuição e, se possível, irá repeti-lo em 2022.
Estão também disponíveis os fundos do Programa Espacial da Europa e do fundo de recuperação económica.
A Indústria, em Portugal, mobilizou ainda cerca de 100 parcerias para várias agendas estratégicas, incluindo a do Espaço.
Em perspetiva, a implementação de programas do Espaço através da articulação de fundos deve existir sempre num contexto agilizado, sem nunca considerar a ESA como única fonte de georetorno para Portugal.
Qual a importância que a Portugal Space atribui à divulgação de conteúdos dos programas ligados ao Espaço, junto do público?
A Portugal Space promove vários ‘flagship programmes’, para promoção da divulgação científica sobre o Espaço, entre os quais destacamos o New Space Atlantic Summit. A Summit é uma conferência anual que decorre desde 2019 e tem como objetivo trazer a discussão temas emergentes no âmbito das tecnologias do Espaço.
Um desses temas é, necessariamente, a sustentabilidade, com base em mecanismos de monitorização e plataformas tecnológicas do Espaço. Esta discussão funciona como abordagem às problemáticas das interações entre o clima, os oceanos e a atmosfera, para verificar se o nosso desenvolvimento económico é sustentável.
Este ano iremos promover também outras iniciativas, como o Dia da Portugal Space, onde se pretende divulgar e atribuir um prémio da Ciência e Inovação do Espaço, e o Dia da Astronomia, para divulgar os principais projetos nesta área e torná-los acessíveis ao público.
Como disse anteriormente, a iniciativa SSP visa também a divulgação científica junto da comunidade, em particular dos estudantes, bem como outros programas em articulação com a “Ciência Viva”, onde apoiamos fortemente o CanSat. Esta última iniciativa funciona como uma competição ao nível do ensino secundário, onde os alunos envolvem numa lata de coca-cola todos os sistemas similares aos de um pequeno satélite, que é lançado a 1km na vertical, para análise dos dados de lançamento. Há também a grande competição de lançamento de rockets em Ponte de Sor, o único concurso na Europa de lançamento vertical de rockets de 10km.
“O Espaço está, portanto, entre nós. O que queremos, neste momento, é tornar as temáticas do espaço mais visíveis e inclusivas em Portugal.”
Procuramos, contudo, ser mais ambiciosos no domínio da divulgação científica dos temas do Espaço.
Vamos igualmente lançar, pela primeira vez, um desafio para lançamentos suborbitais de rockets com distâncias de até 100km, a partir dos Açores, durante este ano.
Estes são os nossos grandes desígnios nos temas do Espaço, alinhados com a formação e vocação profissional, e também com os cursos aeroespaciais no Ensino Superior em Portugal.
O Espaço está cada vez mais presente nas nossas vidas, em parte porque estamos todos ligados tecnologicamente.
Costumo dar o exemplo da recente falha de serviços básicos do WhatsApp, Instagram e Facebook, que provocou o caos por todo o mundo. Agora imagine-se este problema em plataformas como a Google, a Uber, o tráfego marítimo e aéreo, entre outros serviços que utilizam dados de satélite. Uma simples falha nesses sistemas tem o potencial de paralisação da economia.
O Espaço está, portanto, entre nós. O que queremos, neste momento, é tornar as temáticas do espaço mais visíveis e inclusivas em Portugal.
O que motivou a escolha dos Açores para sede da Portugal Space?
Os Açores compreendem sempre um potencial. No entanto, como todo o potencial, é necessário que seja explorado para que se concretize. A presença da Portugal Space nos Açores é complementar a todas as atividades desenvolvidas pela agência a nível nacional, que deve ser potenciada em articulação com o Governo Regional dos Açores.
Porquê Santa Maria? Porque está a 38º do Equador e é um sítio estratégico para este tipo de missões. Tem ainda o potencial de se edificar o acesso ao Espaço através de um pequeno porto espacial, para lançamentos verticais e horizontais, pela sua localização no Atlântico.
“A Portugal Space deve estar presente onde exista potencial, em linha com o plano de crescimento da Agência.”
Anunciamos, recentemente, o lançamento do Space Rider nos Açores, um veículo espacial europeu reutilizável, que funciona como laboratório de microgravidade. Este programa prevê o lançamento do veículo a partir da Guiné Francesa, que vai estar aproximadamente dois meses em órbita para realizar experiências. A aterragem está prevista para as bases de Santa Maria e Kourou, mediante o plano de órbita.
Portugal participa nesse projeto, em três vertentes: na construção do veículo, na experimentação de microgravidade, e na componente física das infraestruturas que vão receber o Space Rider.
A Portugal Space deve estar presente onde exista potencial, em linha com o plano de crescimento da Agência, por exemplo, através da criação de polos em território nacional, como é Coimbra, Braga, Faro, entre outros locais.