Rúben Eiras, Secretário-Geral do Fórum Oceano, conversou com o Oeiras Valley sobre os projetos desenvolvidos por esta associação para posicionar Portugal como referência internacional no setor da economia azul. A criação de um hub de economia azul de última geração, em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, é uma das apostas da Fórum Oceano.
Leia a entrevista e conheça as várias áreas de intervenção do Fórum Oceano na promoção e dinamização da economia azul em Portugal. Dos consórcios de inovação digital às plataformas de investimento no âmbito da economia azul, saiba quais os principais projetos desenvolvidos pela Fórum Oceano.
Fique ainda a conhecer o projeto desenvolvido em parceria com a Câmara Municipal de Oeiras – o Mar Oeiras – que visa a criação de um hub inovador de economia azul, unindo esforços de todas as instituições no município com interesses nas atividades do mar.
Doutor Rúben Eiras, a Fórum Oceano é a Associação que gere o Cluster do Mar Português. Desde a sua criação, em 2015, quais os principais feitos que destaca no âmbito dos trabalhos desenvolvidos pela Associação?
O Fórum Oceano resultou da junção da Associação para o Conhecimento e Economia do Mar (Oceano XXI) com a Associação Fórum Empresarial da Economia do Mar (AFEM), entidades responsáveis pela promoção da economia do mar empresarial em Portugal, desde 2009.
Desde a sua criação, o trabalho desenvolvido pelo Fórum Oceano, em prol da valorização do mar e dos seus recursos, conseguiu unir um total de 133 associados de todos os setores da economia azul, dos quais se destacam a pesca, a aquacultura, o turismo e o transporte marítimo e portuário. O trabalho desenvolvido pelo Fórum Oceano tem permitido a afirmação da Associação como uma das principais entidades que contribui para a dinamização da economia do mar em Portugal.
Com vista a aumentar a competitividade na conquista de fundos europeus e a integração das empresas portuguesas em projetos internacionais, o Fórum Oceano destaca dois projetos: o Business2Sea, um evento anual que potencia o networking entre as empresas com interesse nos temas do mar, a nível nacional e internacional; e o Atlantic Smart Ports Blue Acceleration Network (ASPBAN), que resulta de um consórcio de 15 entidades, liderado por um dos associados do Fórum Oceano – a Beta-i -, e que foi distinguido pela Comissão Europeia como o projeto de referência na estratégia da bacia marítima do Atlântico e da política marítima integrada da União Europeia. Este projeto em específico, tem como objetivo a criação de uma rede de aceleração para start-ups e pioneers da economia azul à escala do Atlântico. Em particular, durante este ano irá ser lançado um programa de aceleração que permitirá afirmar Portugal como um dos centros de dinamização da economia azul na União Europeia.
Mais de 90% do território português corresponde ao espaço marítimo nacional. Como pode Portugal tirar partido deste espaço para o posicionamento internacional na economia azul?
Saber como monetizar o maior ativo territorial de Portugal – o mar – é o nosso grande desafio, nomeadamente no atual panorama em que nos encontramos, uma situação de crise pandémica, geopolítica e climática, marcada também pela necessidade de transição digital e de economia verde. A estratégia a adotar deve contemplar oportunidades geradoras de riqueza sustentável, sem repetir o modelo económico ainda utilizado com base na simples extração ou exploração dos recursos e sem considerar a sustentabilidade dos ecossistemas.
Consideramos que o modelo de competitividade a seguir deve combinar duas dimensões: Em primeiro lugar, deve ser rentável. Mas de uma forma que mitigue ou elimine o impacto ambiental negativo. Em segundo, deve também gerar um impacto social positivo, por exemplo, pela criação de empregos e valorização do ecossistema local.
O modelo deve deixar de estar assente num base de produção linear, na perspetiva da engenharia dos sistemas produtivos, e funcionar numa lógica de produção não linear que feche os processos produtivos. Por exemplo, eliminando os resíduos ou fazendo com que estes deixem de ser uma externalidade negativa, utilizando-os como matéria-prima para outros setores.
O Fórum Oceano assumiu como pilar da sua ação a estratégia DDC – Digitalizar, Descarbonizar e Circularizar. Para se conseguir descarbonizar um sistema, e fazê-lo de uma forma rentável, é necessária uma informação robusta.
O primeiro passo da estratégia DDC passa pela digitalização de processos produtivos. A indústria digital será, portanto, fulcral no investimento da economia circular do mar, através da melhoria da eficiência dos processos, gerando o menor número possível de resíduos. Assim como há agricultura de precisão, por exemplo, há também a necessidade de se conseguir pescar com precisão. Uma técnica com recurso a tecnologias que consigam localizar espécies específicas e que, em simultâneo, diminua a captura acidental de outra fauna marinha e introduza novas tecnologias de propulsão nos navios de pesca para redução das emissões de CO2, nos sistemas de processamento de pescado, entre outros. No caso dos portos, esta abordagem visa o aumento da automação e digitalização para a eficiência dos processos, passando, por exemplo, pela melhoria e integração da comunicação entre portos e navios, fazendo com que os processos de acostagem e de dragagem sejam menos prejudiciais ao ambiente.
O centro desta operação é essencialmente o digital, nomeadamente na recolha da informação necessária para alimentar a estratégia DDC que permite, por sua vez, aumentar as margens de lucro nos processos em curso, através do aumento da eficiência e da qualidade dos produtos finais.
No ecossistema empreendedor português, a digitalização é uma necessidade transversal a todos as fileiras do mar e com elevado potencial de crescimento. A aplicação do digital às temáticas do mar é muito extensa. Ela inclui tecnologias de observação do mar, de leitura da agitação marítima de superfície e submarina e, ainda, outras tecnologias aplicadas a infraestruturas, portos e navios.
Quais os contributos do Fórum Oceano para potenciar a transição digital e a interligação de todas as entidades com interesses no mar que têm como objetivo a valorização do património marítimo português?
O Fórum Oceano lidera um consórcio nacional composto por cerca de 60 entidades – o Portugal Blue Digital Hub (PBDH) -, reconhecido a nível nacional como polo de inovação digital e com potencial de reconhecimento como polo de inovação digital europeu. O consórcio tem como principal objetivo a criação de uma plataforma integrada de serviços digitais para a economia azul, de forma gratuita ou com preços inferiores ao valor de mercado, que vai possibilitar a construção de competências digitais a qualquer empresa.
No âmbito da estratégia DDC, há a intenção de se introduzir elementos de inteligência artificial e de cibersegurança nos processos produtivos das empresas, bem como serviços de consultadoria no âmbito da implementação de outros elementos digitais.
A plataforma irá igualmente investir em infraestruturas de testagem e prototipagem digital, a nível virtual e físico, através da prestação de serviços pela Marinha Portuguesa e pelo Instituto Hidrográfico. Uma das plataformas disponibilizadas nesta dimensão é a zona livre tecnológica gerida pela Marinha na zona de Tróia, a maior área de testagem em ambiente real da União Europeia, com cerca de quase 3000 quilómetros quadrados e uma profundidade entre 200 e 1200 metros de profundidade. Serão ainda disponibilizadas duas plataformas de testagem – o Portugal Big Ocean Data (PBOD) e o Portugal Blue Digital Hub (PBDH).
O PBOD funciona como uma plataforma agregadora de dados públicos num único ponto de acesso para o utilizador, tendo também disponível uma API para o desenvolvimento de aplicações informáticas, cuja gestão geral está ao cargo do Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa. O PBDH, através da participação do IPMA e da Escola Náutica Infante D. Henrique, ambos sediados no concelho de Oeiras, promove o desenvolvimento das infraestruturas de testagem e prototipagem digital destas instituições.
Finalmente, os associados do Fórum Oceano e a comunidade portuguesa da economia azul terão igualmente acesso a formação avançada customizada através do PBDH, que irá também disponibilizar um acelerador de projetos e produtos para empresas PME e start-ups – o Blue Tech Investors Club.
Quais os objetivos do Fórum Oceano para um futuro próximo? E a longo prazo?
O perfil multissectorial do Fórum Oceano, aliado à sua missão como entidade gestora do cluster do mar português e à sua comunidade diversificada de associados, permite a catalisação de ecossistemas de inovação. Desta forma, apoiamos a agregação de entidades e projetos entre vários associados para, em conjunto, apoiar os sistemas de financiamento e criação de respostas às necessidades de cada entidade.
Atualmente, existem vários mecanismos de financiamento, público e privado, cujo acesso é, por norma, um desafio para qualquer empreendedor ou PME. É fundamental que a comunidade empresarial, na área da economia do mar em Portugal, lide cada vez mais com os diferentes instrumentos financeiros e investidores. Este processo permite uma maior capacidade de diversificação dos canais de acesso a financiamento e uma melhoria dos seus modelos de negócio. Por sua vez, modelos de negócio mais atrativos e sofisticados têm também uma maior capacidade para aceder a fundos de investimento e um potencial mais elevado para acrescentar valor à cadeia.
O Fórum Oceano está, portanto, a investir em projetos vocacionados para a promoção de ecossistemas de inovação e do seu relacionamento com os instrumentos de financiamento. Neste âmbito, estamos integrados num consórcio da BlueInvest Platform, o instrumento da Comissão Europeia de nível centralizado para o desenvolvimento do ecossistema de financiamento e investimento da economia azul.
O consórcio é liderado pela PwC e funciona em articulação com a gestão operacional do novo Fundo Europeu de Investimento que irá disponibilizar, no segundo semestre deste ano, cerca de 500 milhões de euros para a criação de novos fundos de investimento. Um dos nossos associados, a Indico Capital Partners, tem o maior fundo privado para investimento em economia azul em Portugal, e, em conjunto com os operadores do Portugal Blue Digital Hub e do Fundo Europeu de Investimento, a missão da Fórum Oceano é conseguir ajudar a criar o contexto para atrair investimento para Portugal.
Recentemente, o Fórum Oceano iniciou uma parceria com a Câmara Municipal de Oeiras para o desenvolvimento do projeto Mar Oeiras. O que nos pode contar sobre esta iniciativa?
Oeiras dispõe ainda de uma linha costeira com duas particularidades interessantes com potencial de exploração. Por um lado, a zona marítima de Oeiras faz fronteira com o rio Tejo, por outro, é um município rico em património arquitetónico militar relacionado com o mar. Seguindo uma abordagem macro, Oeiras pode diferenciar-se de Lisboa e de Cascais pela capacidade de inovação, conhecimento e formação que dispõe.
Oeiras, embora seja um município de reduzida dimensão, é o segundo maior exportador do país e tem uma elevada concentração de massa crítica na área da economia azul, instituições de investigação e de ensino superior, bem como de outras entidades que embora não estejam diretamente especializadas na economia azul, têm desenvolvido atividades interessantes nesse domínio. De entre todas as entidades relacionadas com os temas do mar, Oeiras é sede do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, da Faculdade de Motricidade Humana, do ISQ, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB) e do Taguspark. Assume, ainda, a direção de faróis da Marinha, tem atividade turística na área da economia azul e tem também excelentes condições para a prática de desportos náuticos e aquáticos. Falta apenas a conexão entre todos estes domínios.
Alicerçada no projeto Mar Oeiras, a parceria entre o Fórum Oceano e a Câmara Municipal de Oeiras é uma oportunidade única para o desenvolvimento da economia azul, não só no município como em Portugal. Esta iniciativa irá ajudar o município a desenhar aquela que poderá ser a sua estratégia de economia azul para diversificar a economia geral do município. Podemos, por isso, afirmar que estão reunidas todas as condições para a criação de um hub de economia azul de última geração.