Com Doutoramento no Imperial College, em Londres, através do Programa Gulbenkian de Doutoramento em Biologia e Medicina (PGDBM), Maria João Leão faz parte do painel de cidadãos do projeto europeu IMPETUS.
Maria João Leão é atualmente Coordenadora do Programa Ciência + Cidadã numa parceria entre o Instituto Gulbenkian de Ciência, o ITQB-NOVA e o Município de Oeiras. Durante 10 anos, foi Diretora Executiva da Maratona da Saúde e coordenou no IGC um programa de sensibilização e angariação de fundos, onde estabeleceu parcerias inovadoras com a Everything is New /NOS Alive e a Vista Alegre.
Conheça melhor a missão do Programa Ciência + Cidadã, do qual este “Rosto da Ciência” é responsável.
Qual a missão do Programa Ciência + Cidadã que está a ser implementado em Oeiras?
Um dos nossos principais objetivos é motivar e incentivar quer a comunidade científica quer a sociedade civil a desenvolverem projetos de investigação científica em conjunto, e contribuir para o pensamento crítico e resolução de problemas com base na ciência.
O Ciência + Cidadã (C+C) é um programa inovador de cidadania ativa que está a ser dinamizado numa estreita parceria entre o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), o ITQB NOVA e o Município de Oeiras. Enquadra-se na estratégia do município “Ciência Aberta a Oeiras” e pretende implementar uma abordagem de ciência cidadã, cocriação e consulta pública envolvendo diferentes intervenientes da sociedade civil, de forma transdisciplinar e intergeracional. Segundo a Comissão Europeia, a ciência cidadã é a “participação pública em atividades de investigação científica quando os cidadãos contribuem ativamente para a ciência, seja com o seu esforço intelectual, conhecimento pessoal e local ou com as suas ferramentas e recursos”. Neste contexto, acreditamos que, ao envolver as pessoas de forma ativa no processo científico, a ciência cidadã contribui também para a democratização da ciência e confiança dos cidadãos na investigação científica.
Que iniciativas gostaria de destacar por serem representativas da importância de envolver os cidadãos?
Começo por destacar o “Oeiras Experimenta” que está já a decorrer na Quinta do Marquês de Pombal em Oeiras e que tem como missão dinamizar um agroecossistema urbano através de uma parceria ativa entre cientistas e cidadãos. Este projeto de ciência cidadã pretende investigar os impactos das alterações climáticas no crescimento e produtividade de várias culturas e estudar cereais alternativos que possam ser mais resistentes aos impactos das alterações climáticas como o chícharo, o sorgo e variedades nacionais de arroz, culturas que estão a ser estudadas há vários anos por investigadores no ITQB NOVA em Oeiras. Está também a ser implementado, por cientistas do IGC, um estudo sobre microbioma em abelhas que contará com participação e contribuições de cidadãos em várias fases do projeto. A primeira visita participativa ao terreno do “Oeiras Experimenta” teve lugar em maio passado, no âmbito do Dia Aberto do ITQB NOVA, e contou com mais de 70 cidadãos de todas as idades, entre os quais cientistas, um grupo de pessoas da academia sénior Oficina de Saberes, estudantes da Escola Profissional Val do Rio em Oeiras, colaboradores da organização sem fins lucrativos “Semear”, representantes do Município de Oeiras e muitos mais visitantes. Os participantes puderam conhecer melhor os projetos de investigação que estão a ser desenvolvidos e participar nas primeiras sementeiras de arroz no âmbito do “Oeiras Experimenta”.
Para além do “Oeiras Experimenta”, estão em preparação no IGC e no ITQB dois novos projetos de ciência cidadã na área da saúde que pretendem, com a ajuda de pessoas de várias idades, caracterizar o microbioma intestinal humano em comunidades e prevenir a resistência a antibióticos, respetivamente. Estamos também a dar continuidade ao Projeto “Árvore de Carbono” dinamizado no âmbito do Programa Ciência + Cidadã, em parceria com alunos do Clube de Ciência da Escola Secundária Sebastião e Silva em Oeiras, e que permitiu construir estações de baixo custo para monitorização da qualidade do ar na escola. Este projeto está agora a ser expandido pelos alunos que desenvolveram o projeto, e que se encontram atualmente no 1º ano do ensino superior, através de novas aplicações, nomeadamente no terreno do “Oeiras Experimenta” na Quinta do Marquês.
A Associação CAIS, que trabalha com pessoas social e economicamente vulneráveis, dedicou recentemente uma edição da sua revista à ciência no âmbito de uma parceria dinamizada pelo Programa Ciência + Cidadã. Como correu esta parceria?
A parceria entre a CAIS (www.cais.pt) e o IGC foi muito além dos nossos objetivos iniciais e demonstrou que a diversidade dos públicos, na idade e nos contextos de vida, é muito enriquecedora e transformadora para as partes envolvidas. A edição de março da revista CAIS foi dedicada à Ciência e teve como Editora Convidada Mónica Bettencourt-Dias, Diretora do IGC e conceituada investigadora portuguesa. Foi também prestada homenagem às mulheres na ciência através de uma reportagem, publicado um artigo sobre “Micróbios bons vs Micróbios maus” e apresentada a narrativa fotográfica “Pelo olhar da ciência”, com fascinantes imagens científicas de investigadores e colaboradores do IGC e do ITQB NOVA, escolhidas por utentes e vendedores da CAIS durante uma visita ao IGC. Realizou-se ainda uma ação de venda solidária da revista CAIS, pelas ruas do Município de Oeiras com participação de cientistas e colaboradores da CAIS (“Mancha Amarela”) e uma visita do IGC ao espaço comunidade da CAIS. Só podemos agradecer a todos os vendedores da CAIS, com quem tivemos o enorme privilégio de partilhar ideias ao longo de vários meses, pela curiosidade, entusiasmo e por terem sido embaixadores da ciência ao venderem a edição de março da revista CAIS. A parceria entre o IGC e a CAIS é um dos projetos candidatos ao Prémio Acesso à Cultura 2023.
Quais são os principais desafios para a consolidação da ciência cidadã em Portugal?
Em Portugal temos já exemplos de projetos de ciência cidadã inspiradores e reconhecidos a nível internacional, principalmente na área da Ecologia. É importante incentivarmos também o desenvolvimento de projetos de ciência cidadã noutras áreas do conhecimento, como a saúde por exemplo, à semelhança do que já acontece noutros países. A Rede Portuguesa de Ciência Cidadã tem tido um papel fundamental no mapeamento dos projetos que estão a ser desenvolvidos no nosso país, na formação e no estabelecimento de relações nesta área. É importante sensibilizar para a importância e impacto da ciência cidadã nas nossas vidas e incentivar quer a comunidade científica quer a sociedade civil para a participação conjunta em projetos de investigação científica em várias áreas do conhecimento. É também essencial o envolvimento dos decisores políticos e Oeiras é inovadora neste sentido, e um exemplo a replicar por outros municípios, ao impulsionar e apoiar o Programa de Ciência + Cidadã. As autarquias podem ser um fator agregador entre os investigadores e os cidadãos e contribuir para a criação de uma identidade coletiva com base na ciência nas suas comunidades locais.
De que forma é que a população de Oeiras se pode envolver no programa Ciência+Cidadã?
A comunidade de Oeiras pode visitar o terreno do “Oeiras Experimenta” na Quinta do Marquês de Pombal e colaborar ativamente nos projetos de investigação que estão a ser implementados. Em breve, um outro projeto de ciência cidadã, sobre o microbioma humano, será iniciado pelo IGC. Quem quiser saber mais e porventura participar, pode fazê-lo através do Quiz interactivo disponível online. Estudantes do ensino básico, secundário e universitário vão também poder participar, no início do próximo ano letivo, no projeto que pretende prevenir a resistência a antibióticos através de recolha de amostras de solo.
O Programa Ciência + Cidadã continua também a marcar presença em vários eventos em Oeiras, nomeadamente no Festival Internacional de Ciência , no Festival de Música NOS Alive , nos Dias abertos do IGC e ITQB, no Dia da Criança, entre outros, o que que possibilita um diálogo aberto entre a comunidade científica e a sociedade civil aliando a ciência à arte, ao teatro e ao desporto. Foram já dinamizados no âmbito destes eventos um painel de arte urbana participativo com a colaboração da Mistaker Maker e da artista Pitanga, uma ação de Teatro Playback com o dISPAr Teatro , duas instalações artísticas com plásticos utilizados nos laboratórios de investigação em parceria com a Green Team do IGC e com a Bióloga Marinha e artista Ana Pêgo , ilustrações de Isa Silva e Romana Yáñez e realizadas várias mesas redondas com participação de vários agentes sociais.
Que importância teve a sua eleição como membro do “IMPETUS Citizen Panel” ?
O IMPETUS é um programa financiado pela Comissão Europeia que pretende apoiar e dar reconhecimento aos projetos de ciência cidadã na Europa. Os membros do painel de cidadãos do IMPETUS têm como missão ajudar a definir as áreas dos projetos de ciência cidadã a apoiar pelo IMPETUS e ajudar a divulgar a sua missão na Europa. A minha participação como membro no Painel de Cidadãos do IMPETUS deu-me acesso a formação intensiva na área da ciência cidadã e tem-me permitido conhecer projetos que estão a ser implementados noutros países o que poderá ajudar a estabelecermos parcerias internacionais que poderão a ajudar a consolidar novos projetos de ciência cidadã na comunidade. Surgiu ainda oportunidade de participarmos, como membros deste painel, no conceituado festival Austríaco “Ars Electronica” que terá lugar no início de Setembro e alia a arte, a tecnologia e sociedade.
Que balanço faz até agora da sua experiência neste programa e como perspetiva o futuro do trabalho desenvolvido?
O balanço é extremamente positivo. É com muito entusiasmo e satisfação que estou a ajudar a implementar e a ver crescer vários projetos no âmbito do Programa Ciência + Cidadã, que não seriam possíveis sem a contribuição de todas as pessoas envolvidas, quer sejam colaboradores de instituições parceiras, estudantes, decisores políticos, cientistas e grupos comunitários. É também um privilégio poder trabalhar em colaboração com duas instituições científicas de excelência em Oeiras, IGC e ITQB NOVA, com o apoio e colaboração incondicionais do Município, através do seu Gabinete de Ciência e Inovação. No último ano, nas atividades acima mencionadas, estiveram já envolvidas cerca de 700 pessoas de diferentes idades e contextos sociais. No futuro, o Programa Ciência + Cidadã pretende dar continuidade aos projetos que estão a ser implementados, desenvolver estratégias para envolver de forma participativa mais cidadãos, tendo em conta as suas questões e necessidades. Em parceria com diferentes atores nas comunidades locais (escolas, universidades, associações de doentes, grupos comunitários, entre outros) visa ainda estabelecer uma rede de parcerias estratégica para o desenvolvimento e sustentabilidade das ações no âmbito deste programa (com empresas, fundações, redes nacionais e internacionais de ciência cidadã, Institutos de investigação). Gostaria de terminar a realçar que todos podemos colaborar e fazer parte do Programa Ciência +Cidadã!