
O iBET – Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica é a maior instituição privada sem fins lucrativos portuguesa dedicada à investigação de excelência em biotecnologia. Os seus cerca de 200 investigadores trabalham no desenvolvimento de novos fármacos e também em investigação ligada à indústria agroalimentar.
Criado há mais de 30 anos com o intuito de servir como “braço armado” para a Investigação e Desenvolvimento (I&D) dos seus associados, o iBET está hoje envolvido em projetos de investigação em parceria com instituições internacionais de grande dimensão. O desenvolvimento de um coração artificial é um dos principais projetos em que participa atualmente, mas a instituição também se tem destacado pelo envolvimento em projetos na área da COVID-19. A participação no desenvolvimento de um teste serológico que está prestes a chegar ao mercado e que foi concretizado através do Serology4covid, um consórcio apoiado pela Câmara Municipal de Oeiras e que integra também outras instituições científicas instaladas no Concelho, destaca-se nesse âmbito.
Paula Alves, CEO do iBET, recentemente eleita como membro da Academia Nacional de Engenharia dos EUA, explica em entrevista o que distingue a instituição e dá a conhecer melhor o trabalho que está a ser desenvolvido.
Recentemente, foi eleita membro da Academia Nacional de Engenharia dos EUA, a primeira mulher portuguesa a ser escolhida. Qual a importância desta nomeação e o retorno que daí pode resultar?
A nomeação resulta da minha contribuição como cientista e professora na área de desenvolvimento de biofármacos – novas moléculas terapêuticas – e também por todo o trabalho que tenho feito na ligação do conhecimento que se gera na academia e na indústria. E claro que é uma honra muito grande e um prestígio ter sido nomeada pelos meus pares para pertencer à academia.
Os membros da academia são muitas vezes consultados pelas autoridades dos EUA por serem reconhecidos como especialistas nas diferentes áreas da engenharia. Por isso, agora também eu posso ser consultada dentro da minha especialidade.
Para Portugal é bom porque, tendo lá mais representantes, começamos a ser mais reconhecidos por parte dos colegas dos EUA e podem estabelecer-se pontes mais facilmente. Acho que para as pessoas que trabalham no iBET também foi importante, porque veem que este tipo de reconhecimento global é possível trabalhando aqui em Portugal.
Quando surgiu a pandemia, tentámos logo abraçar projetos que permitissem responder rapidamente ao combate à COVID-19.
A farmacêutica Moderna agradeceu recentemente o contributo que deram no desenvolvimento da sua vacina. Qual foi o vosso papel nesse processo e como avalia o seu reconhecimento?
Antes de mais, é importante esclarecer que nós não produzimos a vacina da COVID-19 da Moderna. O que fizemos foi produzir os primeiros lotes de uma ferramenta [tecnologia mRNA] que pode ter muitas outras aplicações, mas a qual permitiu à Moderna arrancar com os seus ensaios clínicos e usar essa mesma tecnologia quando apareceu a COVID-19.
Esse trabalho foi feito pela GenIbet – empresa spin-off do iBET que faz lotes para ensaios clínicos – que em 2015, a pedido da Moderna, começou a fazer o escalonamento e a produção de lotes de mRNA, a desenvolver melhores maneiras de purificar e estabilizar grandes quantidades de mRNA, para que pudessem ser usados em vários ensaios clínicos da Moderna.
Claro que quando apareceu o agradecimento público do CEO da Moderna em dezembro, nós ficamos muito contentes. Foi o reconhecimento do nosso papel porque apesar de a Moderna ter o conceito, em 2015, não tinha capacidade de produção em escala de lotes de mRNA e nós ajudamo-los nisso.
O iBET também integrou o consórcio Serology4Covid, que desenvolveu um teste serológico para a COVID-19. Em que fase está este processo?
Quando surgiu a pandemia, tentámos logo abraçar projetos que permitissem responder rapidamente ao combate à COVID-19. Um deles foi o desenvolvimento de um teste serológico em conjunto com o Instituto de Medicina Molecular, o Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade NOVA de Lisboa (ITQB NOVA) e o Centro de Estudos de Doenças Crónicas, também da Universidade NOVA de Lisboa, com a coordenação do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC).
Desde que estou aqui em Oeiras há quase 30 anos, sempre senti um grande apoio da Câmara Municipal de Oeiras em relação à ciência. Sentimos que a Câmara interage com os cientistas e acarinha as instituições que aqui estão.
Com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras, que nos deu logo “selo branco” para avançarmos, conseguimos organizar-nos muito rapidamente e juntar as nossas competências para desenvolver um teste serológico todo feito em Portugal e que vai agora ser comercializado.
Em abril do ano passado, da nossa parte, conseguimos produzir os antigénios do SARS-CoV-2 e todo o processo foi desenvolvido até maio. Concorremos então ao P2020 para fazer o escalonamento e a produção das placas para este teste com o IGC e a farmacêutica portuguesa Medinfar. Neste momento, já está a ser montada a unidade e os primeiros protótipos já estão a ser feitos. Portanto, o que desenvolvemos em abril já está a ser transformado num produto que terá ainda de ter um selo por parte das autoridades e uma marca, mas que é um exemplo do sucesso do trabalho feito por um grupo de académicos de várias instituições.
A maioria das instituições deste consórcio estão instaladas em Oeiras. O que tem Oeiras de atrativo para o desenvolvimento da ciência?
Desde que estou aqui em Oeiras há quase 30 anos, sempre senti um grande apoio da Câmara Municipal de Oeiras em relação à ciência. Sentimos que a Câmara interage com os cientistas e acarinha as instituições que aqui estão. Temos em Oeiras este polo com diversas instituições científicas de referência, como o IGC, o ITQB ou o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), uma massa crítica que sempre foi acarinhada por um município que procurou captar várias instituições, dar-lhes condições e que sempre se mostrou recetivo às suas ideias.
Exemplo disso é o que se passou com o consórcio Serology4covid ou quando decidiram que iria haver uma residência para investigadores convidados, um tipo de infraestrutura que existe em outros países e em instituições como o MIT. Sente-se que em Oeiras há uma estratégia: as coisas não são feitas aleatoriamente e há uma continuidade que nos dá alguma segurança.
Desde que foi fundado, o iBET é uma espécie de “braço armado” do I&D (Investigação e Desenvolvimento) dos seus associados de modo a permitir uma diferenciação dos seus produtos que os torna mais competitivos potenciando também a internacionalização.
E este contexto é potenciador de sinergias entre as instituições que trabalham na área científica em Oeiras?
Sempre tivemos uma atitude muito cooperativa aqui em Oeiras, sendo que com o conceito Oeiras Valley a Câmara veio potenciar ainda mais esse nosso modo de estar na ciência que caracteriza os nossos institutos aqui em Oeiras, uma postura de partilha. O LAO, Laboratório Associado de Oeiras, é exemplo disso. Em 2000, aderindo a um desafio do Ministro Mariano Gago, o ITQB-NOVA, o iBET e o IGC arrancaram um dos primeiros laboratórios associados Portugueses. Uma colaboração que se mantem até hoje.
Este laboratório associado permitiu juntar esforços, apostar em linhas de investigação conjuntas, contratar investigadores para fazerem pontes entre os institutos. Dada a proximidade geográfica acordámos num modelo de partilha de grandes equipamentos permitindo otimizar o investimento e dar a todos os investigadores acesso a essas infraestruturas, potenciando a investigação em Oeiras. Atualmente estamos todos juntos num projeto de incubação de startups aqui no campus do INIAV – o A5. Tudo o que seja aumentar a pegada nesta área de investigação e desenvolvimento nas ciência da vida é ótimo para todos nós, e o Oeiras Valley veio potenciar isso ainda mais.
O iBET é a maior organização privada sem fins lucrativos portuguesa na área da biotecnologia. O que distingue a investigação que é feita no iBET?
Quando se faz investigação fundamental, estamos a gerar conhecimento e não estamos tão preocupados se este vai ser útil a curto ou a longo prazo. O iBET funciona com uma dinâmica diferente. Quando foi criado há 30, o seu conceito teve como base o modelo do MIT: fazer investigação mais direcionada ou aplicada para criar soluções. Ou seja, organizar o conhecimento e colocá-lo ao serviço da economia e da clínica, com o objetivo de criar riqueza e valor. Somos hoje um grande exportador de investigação da área dos Biofármacos e trabalhamos com grandes empresas farmacêuticas internacionais de base biotecnológica.
Mas também reforçamos o I&D das empresas nacionais. Desde que foi fundado, o iBET é uma espécie de “braço armado” do I&D (Investigação e Desenvolvimento) dos seus associados de modo a permitir uma diferenciação dos seus produtos que os torna mais competitivos potenciando também a internacionalização. Na sua estrutura, tem a Medinfar, Tecnimede, Bial, Laboratórios Azevedos, Iberfar, Genlbet e Laboratórios Basi, entre farmacêuticas e saúde, e a Sumol Compal, Nutrinveste, RAR e Buggypower, na área do agroalimentar.
Qual o balanço dessa aposta?
Bastante positivo. Desde há muito que desenvolvemos tecnologias e investimos e em conhecimento próprio. Neste momento, temos programas de financiamento a projetos internos em que apostamos em novas linhas de investigação que consideramos vir a ter impacto e a valorizar no futuro, que terão impacto para a indústria. Crescemos de tal forma que os nossos associados nos autorizaram a trabalhar com a indústria farmacêutica internacional e, neste momento, temos grandes projetos de investigação com parceiros internacionais de grande dimensão.
No iBET temos equipas de investigadores dedicados a trabalhar em investigação para a Merck, a Sanofi, a Bayer e a Novartis, num conceito a que chamamos Laboratórios Satélites. Conseguimos criar emprego e reter talentos altamente qualificados, por exemplo de investigadores doutorados, em Portugal.
Estamos a trabalhar numa vacina sub-unitária para a COVID-19 – projeto para o qual recrutamos mais colaboradores – e continuar a investir na produção de antigénios do SARS-CoV-2 para os testes serológicos que irão ser produzidos na Medinfar em Portugal.
Quais são as principais áreas de investigação do iBET e como está organizado o instituto?
O iBET tem duas grandes divisões: Health & Pharma (saúde e farmacêutica) e a Food & Health (alimentação e saúde).
A divisão que tem maior dimensão é a Health & Pharma. Nesta área, desenvolvemos processos para produção e caracterização de biofármacos. Trabalhamos em terapias celulares, em terapias génicas e no desenvolvimento de novas vacinas, ou seja, em tudo o que são os medicamentos avançados. Neste âmbito, temos muita experiência em pegar nos conceitos desde a sua fase de descoberta e fazer desenvolvimento de processos que permitam transformar ideias e tecnologias promissoras num produto. Temos uma unidade de serviços analíticos que nos permite analisar todas as características do produto e temos certificação de Boas Praticas de Fabrico pelo Infarmed para poder fazer libertação de lotes desses biológicos.
Já na área alimentar fazemos principalmente investigação de suporte à indústria agroalimentar. Temos três grandes linhas de ação: trabalhamos no desenvolvimento de métodos analíticos para caracterização dos alimentos e avaliação do seu impacto na saúde, na área dos nutracêuticos e em processos de engenharia para valorização dos resíduos da agroindústria. Usando tecnologias sustentáveis de extração de alguns compostos a partir desses resíduos podemos, por exemplo, enriquecer em nutrientes as rações para animais ou desenvolver fertilizantes naturais para a agricultura. Desenvolvemos ainda processos mais ecológicos para fazer tratamento e reutilização de águas.
Quais são os principais projetos de investigação em que o iBET está a trabalhar?
Na área da terapia celular, temos a decorrer um grande projeto em regeneração cardíaca. É um projeto da Comissão Europeia em que trabalhamos com clínicos da Universidade de Pamplona, com investigadores da área dos materiais, com o objetivo de fazer um coração artificial e recuperar tecido cardíaco lesionado com a introdução de células saudáveis. .
Temos um projeto a decorrer com a Takeda, dos EUA e Madrid, na área da regeneração de feridas, em que estamos a escalonar o processo de produção deste produto de terapia celular que já está no mercado. Também temos um projeto com uma empresa americana e canadiana – a Turnstone Biologics – na área do desenvolvimento de vírus para tratamento de cancro.
Recentemente ganhámos um outro projeto, no qual participa também o Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra, para avaliar o potencial de vírus adeno-associados no tratamento de doenças neurológicas. O projeto é coordenado pela Pfizer e pela Universidade de Sheffield.
Estamos a falar de produtos, todos eles, altamente inovadores. São todos projetos internacionais que envolvem muitas equipas multidisciplinares.
A COVID-19 alterou as vossas prioridades no campo da investigação? Estão a desenvolver trabalho neste campo?
Os projetos que tínhamos em curso têm de ser mantidos, mas reforçámos a equipa para novos projetos no âmbito da COVID-19. Estamos a trabalhar numa vacina sub-unitária para a COVID-19 – projeto para o qual recrutamos mais colaboradores – e continuar a investir na produção de antigénios do SARS-CoV-2 para os testes serológicos que irão ser produzidos na Medinfar em Portugal. Para além desses projetos de investigação, temos alguns colaboradores do iBET a fazer voluntariado na realização de testes de diagnóstico da COVID-19. Nesta iniciativa do ITQB, no âmbito de uma parceria com a Câmara Municipal de Oeiras, o iBET disponibiliza competências técnicas no apoio ao rastreio e testes diagnóstico feitos na Fundação de Oeiras. É também para isso que nós cá estamos.