À conversa com o Oeiras Valley, o Presidente do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ), Pedro Matias, falou sobre a construção de um reator de energia nuclear limpa, um projeto no qual o ISQ está envolvido e que é “provavelmente o maior projeto de inovação do mundo”.
Pedro Matias deu a conhecer outros projetos de investigação em curso, como a construção do maior telescópio que vai existir no planeta Terra. No decorrer da conversa, falou também sobre a “dinâmica impressionante” da Câmara Municipal de Oeiras, “na busca da inovação permanente” e como o município “desafia permanentemente as empresas” ali sediadas.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho de Pedro Matias, que assumiu a Presidência do Conselho de Administração do ISQ em março de 2017.
O ISQ é uma das entidades portuguesas a participar num projeto ambicioso da União Europeia de desenvolvimento de uma aeronave europeia hibrido-elétrica. Em que é que consiste este projeto e de que forma o ISQ vai colaborar?
Esse é um projeto muito interessante, mas não é o único. O ISQ é uma casa de inovação, é uma casa de produção de conhecimento e de colocar esse conhecimento ao serviço das empresas e da indústria. E, portanto, há vários anos que nós investimos muito em investigação, em desenvolvimento e em inovação. Ao longo da vida do ISQ, já participamos em mais de 500 projetos internacionais de investigação e desenvolvimento, juntando empresas, universidades, nacionais e internacionais, etc. É realmente uma atividade muito relevante para nós.
Esse projeto específico tem a ver mais com as questões que se prendem com as energias renováveis e com a mobilidade. Todo o conceito de mobilidade está a transformar-se imenso em todos os países, na Europa e no mundo, e não só no transporte terrestre, mas no transporte ao nível de aeronaves.
Está a introduzir-se aquilo que são as aeronaves de terceira geração elétricas e também elas próprias mais sustentáveis, com menores consumos de combustível. Os aviões hoje em dia são um grande poluidor e todos os dias há milhares ou milhões de aviões a cruzarem os céus. E esse projeto é um projeto muito interessante porque vai permitir, no fundo, que o transporte aéreo se transforme numa perspetiva mais sustentável.
Hoje em dia, as questões ligadas ao ambiente e ao desenvolvimento sustentável estão completamente na ordem do dia e nós vivemos num planeta que é finito, que tem recursos finitos. Portanto, se não cuidarmos dele a médio longo prazo, vamos ter vários problemas. Aliás, as alterações climáticas também já demonstram um pouco isso. Portanto, é um projeto muito interessante no qual estamos envolvidos e que esperemos também que a médio prazo vai trazer resultados muito interessantes para a indústria.
No final do ano passado, o ISQ recebeu uma menção honrosa na categoria de marca nacional do Portugal Tecnológico 2022 e foi eleito marca corporate pela Superbrands. Qual é o significado destas distinções para o Instituto e para os colaboradores?
Os prémios são muito importantes. É um pequeno momento, muitas vezes de uma história às vezes longa. Às vezes são dois anos de um projeto qualquer que depois recebe um prémio em cinco ou dez minutos. Mas há muito trabalho por trás disto. É um reconhecimento, sobretudo para as equipas porque é um reconhecimento exterior daquilo que é feito pelas nossas equipas a nível interno.
Temos tido vários prémios ao longo do ano e ao longo dos últimos anos. O ISQ em 50 anos de atividade nunca tinha sido considerado como uma Superbrand e há dois anos tivemos esse primeiro reconhecimento. O mercado finalmente reconheceu esta poderosa marca ISQ como uma Superbrand e este ano que agora terminou de 2022 fomos novamente reconhecidos também com uma Superbrand Corporate. Houve outro prémio que tivemos também da revista Visão, os Prémios Verdes, exatamente ligados ao desenvolvimento sustentável, onde também apresentámos um projeto muito interessante.
É uma questão de reputação da marca e um reconhecimento às equipas que se dedicam a esse projeto. São sempre muito interessantes e nós ficamos sempre muito agradados quando de fora reconhecem o bom trabalho que é feito dentro de portas
Em maio do ano passado, o ISQ tornou-se a primeira entidade em Portugal a ser acreditada pelo IPAC para a calibração de contadores óticos de partículas. O que é que esta calibração permite e que impacto pode ter no meio ambiente?
Quando andamos pelo centro de uma cidade, partimos do princípio que a qualidade do ar está ok e muitas vezes não está. Mesmo na baixa lisboeta e noutros países também da Europa, muitas vezes há problemas que às vezes até condicionam a circulação automóvel consoante a intensidade da poluição.
Como é que nós conseguimos medir isso? Através de determinado tipo de equipamentos que vão medir estas variáveis do ponto de vista ambiental. Esses equipamentos, por sua vez, têm de estar devidamente calibrados para o que vamos aferir esteja exactamente correto.
Esse trabalho na área, muitas vezes chamada de metrologia legal, da calibração de equipamentos que o ISQ fez e tem vindo a fazer em cada vez mais áreas. Foi mais uma acreditação que obtivemos e é mais uma área de trabalho que o ISQ coloca ao serviço das empresas e dos cidadãos no quadro da melhoria do ambiente e do desenvolvimento sustentável.
Que outros projetos gostaria de destacar que estejam a ser desenvolvido ou em fase de desenvolvimento?
Temos vários. O ISQ é uma casa, como eu dizia há pouco, de produção de conhecimento, uma casa de engenharia que trabalha para a indústria, que permite que a indústria funcione em condições ótimas. E esse o nosso trabalho do dia a dia e é isso que as nossas equipas fazem no dia a dia.
Mas para prestarmos esse serviço à indústria, temos que estar sempre à frente das próprias necessidades dessa indústria. Por exemplo, hoje em dia estamos a trabalhar muito já naquilo que é a transformação digital da própria indústria. Ora, a indústria vai precisar de um serviço diferente à medida que introduz estas novas tecnologias no seu dia a dia.
O ISQ, para poder prestar um trabalho com valor acrescentado, ainda tem de estar mais à frente. Temos de ir ainda à frente da indústria para começar a dominar mais cedo a cadeia de valor dessa inovação tecnológica para poder depois, quando a indústria a implementa, já estarmos em plenas condições de fazer.
Há um projeto que acho que é de uma extrema importância, no qual o ISQ está envolvido há muitos anos e é provavelmente o maior projeto de inovação no mundo: é a construção de um reator de energia nuclear, mas de energia nuclear limpa, que nada tem a ver com aquilo que tradicionalmente associamos à energia nuclear.
Este é um projeto ainda que vai desenvolver um protótipo e está a ser construído no sul de França, em Cadarache. Vamos tentar provar que é possível ter no planeta Terra uma fonte de energia inesgotável, como é a energia do Sol ou a energia das estrelas. Se isto se vier a provar, resolve-se todo um conjunto de problemas que o planeta Terra tem, nomeadamente do ponto de vista dos combustíveis fósseis.
É um projeto que, na sua primeira fase, tem um investimento de 25 mil milhões de euros. Vai duplicar esse valor com mais 25 mil milhões de euros para esta segunda fase. Não é ficção científica, já está em construção. É obviamente um processo muito complexo, mas este é o projeto que, a funcionar, vai alterar toda a geoestratégia e até a geopolítica do mundo. Muitas das guerras que existem no mundo tem a ver com a questão do gás, com a questão do petróleo, com os recursos minerais. A partir do momento que nós conseguirmos construir uma máquina, uma pequena central de produção de energia em que qualquer país pode se tornar autossuficiente, todas estas questões são ultrapassadas.
Este projeto é completamente disruptivo. E o ISQ, demonstrando esta capacidade de conhecimento de engenharia, tem estado neste projeto desde o início. É algo que nos orgulha muito e do qual temos realmente muito gosto em participar.
Pode dar um exemplo de um projeto desenvolvido pelo ISQ que tenha tido efeitos práticos na população de Oeiras e nos portugueses, em geral?
Há todo um conjunto de atividades que temos aqui no ISQ que estão patentes na sociedade e na indústria, mas de uma forma quase discreta. As pessoas nem se apercebem que para que qualquer coisa corra bem, alguém tem que fazer um trabalho por trás. Quando vamos a um hospital e tomamos uma determinada dose, por exemplo, de oxigénio ou de um medicamento, esses equipamentos têm de estar calibrados porque a diferença entre a vida e a morte em ter mais um mililitro, o menos um mililitro de uma substância é crucial.
Há todo um conjunto de procedimentos quase rotineiros que as pessoas quase não se apercebem. Quando vamos a uma bomba de gasolina e colocamos um litro ou dez litros de gasolina, alguém teve de aferir que aqueles dez litros são exatamente dez litros reais e não dez litros a olho. Seja um contador de gás ou de eletricidade, também no concelho de Oeiras que tem todo esse tipo de infraestruturas, temos de garantir que realmente funcionam e são reais.
Há realmente uma infinidade de atividade que nós fazemos, não só nas empresas, e com muita incidência aqui no concelho de Oeiras. Estamos a trabalhar hoje em dia muito com a Câmara Municipal de Oeiras em vários projetos. Aliás, a Câmara de Oeiras tem uma dinâmica impressionante do ponto de vista da busca da inovação permanente e desafia permanentemente as empresas sediadas no concelho de Oeiras a ir atrás disso. Por exemplo, na área do mar: é um cluster em que o município de Oeiras quer apostar muito nos próximos anos. A área do aeroespacial é uma área que o ISQ tem também competências próprias e percebemos que a Câmara está muito interessada em desenvolver aqui todo um cluster na área da aeronáutica e do aeroespacial.
Há toda uma dinâmica muito interessante de inovação. Este conceito do Oeiras Valley veio agregar toda esta realidade aqui no município de Oeiras, de uma forma muito mais completa. A nossa relação com a Câmara de Oeiras é excelente, é uma relação permanente de parceria e essa é uma das razões porque o ISQ também está sediado em Oeiras, está sediado no Taguspark e tem uma relação muito direta com todos os atores e os agentes de inovação, aqui no município de Oeiras.
Quais as vantagens da localização do ISQ no município de Oeiras?
As vantagens são realmente bastantes. Em primeiro lugar, porque Oeiras, do ponto de vista do território nacional e a nível da Europa e no mundo, está no epicentro. Aqui de Oeiras, estamos a meia hora do aeroporto e do aeroporto vamos para qualquer lado do mundo. As vias de acesso são ótimas e qualquer cliente vai ter ao aeroporto de Lisboa e passada meia hora está aqui no Taguspark, a cidade do conhecimento.
Depois, porque Oeiras conseguiu, nos últimos anos, atrair todo um conjunto de talento e de pessoas de talento e de empresas muito interessantes. O ecossistema que existe aqui à volta do ISQ, e no qual o próprio ISQ se insere, é um ecossistema muito dinâmico. Temos aqui mais de, julgo eu, 25 mil empresas sediadas no concelho de Oeiras e, eventualmente, algumas das principais empresas privadas e multinacionais. Isto permite a nós, presidentes das empresas e CEO’s terem uma relação muito próxima. Temos aqui um vasto conjunto de ecossistemas muito interessantes e muito vibrantes.
Por fim, também o contacto com o executivo do município de Oeiras é um contacto muito fácil. Temos um presidente, que é uma pessoa muito afável e muito presente. Quando há um problema qualquer, fala-se diretamente com o presidente. O presidente, se for preciso, vem ao local ver exatamente o que é que se passa e praticamente em 24 ou 48 horas toma uma decisão.
A nível da equipa da vereação, a mesma coisa. Temos um relacionamento permanente, seja com o vice presidente do município, seja com os vereadores, o Pedro Patacho, a Joana Baptista ou o Francisco Rocha Gonçalves. É muito fácil, no bom sentido, este contacto com o município de Oeiras e é muito fácil porque eles também percebem que tem de haver uma atenção específica às entidades para se resolver os assuntos.
Atualmente, a monitorização e medição das partículas em suspensão no ar ganhou uma importância cada vez maior em áreas distintas como o controlo da contaminação ambiental indesejada, essencial para a proteção e garantia da integridade de processos ou produtos em diversos setores, nomeadamente na indústria aeroespacial, microeletrónica, farmacêutica, dispositivos médicos, saúde e alimentar.
Que outros projetos gostaria de destacar que estejam a ser desenvolvidos, mas numa fase muito inicial, projetos que estão em vista a ser desenvolvidos no futuro?
Estamos a acompanhar um projeto europeu, no deserto de Atacama, no Chile, que é a construção do maior telescópio que vai existir no planeta Terra. É um projeto de mil milhões de euros de investimento inicial e, como vai ter uma lente específica, vai permitir descobrir no Universo todo um conjunto de coisas que hoje em dia não sabemos.
Às vezes parece ficção científica, mas são realidades que já estão a acontecer e o ISQ é exatamente uma das entidades envolvidas nesse projeto. O nosso trabalho tem a ver com o olho, digamos assim, do telescópio. É um projeto extremamente interessante que nos vai permitir descobrir daqui a alguns anos coisas no universo que não conhecíamos até hoje.
Outro projeto relacionado também com esta área do espaço tem a ver com uma cápsula que estamos a desenvolver que vai para Marte fazer recolha de amostras do solo. Vamos trazer pela primeira vez para a Terra amostras físicas do solo.
É uma cápsula de uma dimensão não muito grande e que é revestida a cortiça. Haverá um robot que vai apanhar as amostras do solo e inserir dentro dessa cápsula e essa cápsula vai ser literalmente atirada de Marte para a Terra.
Chegámos à conclusão que a cortiça tem um conjunto de características muito interessantes, nomeadamente é um material muito leve e tudo o que nós colocamos no espaço tem um custo – quanto mais leve for o material, menos custa do ponto de vista monetário. Depois, a cortiça tem uma resistência anormal a altas temperaturas. Na reentrada da atmosfera, a cápsula arde e a cortiça vai absorver essa alta temperatura. Por fim, no amortecimento: quando a cápsula cair literalmente na Terra, a cortiça vai fazer de amortecedor para que as amostras do solo não se partam.
Têm sido projetos muito interessantes que estamos a acompanhar e a desenvolver e que mostram que, em Oeiras e em Portugal, a engenharia portuguesa e as entidades como o ISQ e outras estão realmente a fazer um trabalho muito interessante a nível mundial e de referência mundial.