À conversa com o Oeiras Valley, o Presidente da AED Cluster Portugal, José Neves, falou sobre os projetos que estão a ser desenvolvidos e sobre as próximas inovações na área do Espaço, Defesa e Aeronáutica.
Em entrevista, falou sobre como a AED Cluster foi “bastante bem acarinhada pelo município de Oeiras” e como o mesmo tem vindo a disponibilizar o Taguspark para a realização dos AED Days, que já vai para a 10.ª edição.
No decorrer da conversa, José Neves falou sobre o projeto de uma aeronave de 19 lugares, construída em Portugal, do desenvolvimento de um drone de cerca de uma tonelada para vigilância costeira e o desenvolvimento de uma constelação de satélites para vigilância do Oceano Atlântico. “Estes projetos representam um investimento na ordem dos 400 milhões de euros e a criação de 800 postos de trabalho altamente qualificados. Portanto, um verdadeiro desafio para todo o ecossistema”, afirmou José Neves.
Leia a entrevista na íntegra e conheça o trabalho de José Neves, o Presidente da AED Cluster Portugal há quatro anos, que se licenciou em Engenharia Aeroespacial pelo Instituto Superior Técnico, no primeiro ano de existência do curso.
Assista ao vídeo da entrevista aqui.
O AED Cluster Portugal envolve já mais de 120 entidades portuguesas. Em que é que consiste este cluster e quais são as vantagens para os associados?
O cluster surge em 2016, com a fusão de três associações: uma dedicada apenas à aeronáutica, outra dedicada ao espaço e outra ainda muito focada na área de defesa. O cluster surge quase como um espaço lógico dessas associações. Em primeiro lugar, porque muitos associados partilhavam as mesmas associações – tipicamente encontravam-se três vezes por ano. Depois, os recursos humanos muitas vezes eram semelhantes nas três associações a nível de quem faz os projetos. Portanto, era um passo lógico as pessoas começarem a juntar-se e ganharmos um ponto muito importante, que é massa crítica, ou seja, termos uma dimensão maior neste ecossistema.
O cluster surge exatamente para tentar que o ecossistema num todo funcione como uma rede e, acima de tudo, que aumente a competitividade, não só das indústrias, mas também do sistema científico-tecnológico nacional – esse é o nosso propósito. Como é que fazemos isso? Quando nós criámos a nossa estratégia, definimos quatro pilares. Um pilar é dedicado às pessoas e competências. Como é que atraímos pessoas para este mercado? Como é que qualificamos pessoas para esse mercado? E quando fomos de qualificação, falamos não só de pessoas que são universitários, mas pessoal de gestão de fábrica que hoje são pessoas altamente qualificadas também.
Outro dos pilares que nós endereçamos é mercados e oportunidades, ou seja, como é que as empresas podem endereçar aquele mercado, como é que podem desenvolver produtos para o mercado. E é um ponto importante de trabalhar em rede porque estamos a falar de mercados onde os investimentos tipicamente são grandes. Ninguém desenvolve uma aeronave ou um sistema para um avião por cinco milhões de euros. É sempre 10, 20, 30 milhões. O mesmo se passa no espaço e o mesmo se passa em defesa. Portanto, ao criar massa crítica, somos capazes de fazer projetos de maior dimensão. Tipicamente, temos projetos de 10 a 20 milhões de euros. Neste momento, no âmbito do PRR, temos dois projetos que envolvem um investimento na ordem dos 400 milhões de euros. Nenhuma empresa sozinha conseguiria fazer, mas agregadas consegues desenvolver melhor.
Outros pilares para onde nós olhamos é para a inovação e criação de valor. Ou seja, como é que nós pomos novos produtos, produtos modernos, produtos muitas vezes diferenciadores que não estão ainda no mercado, nesse mercado. Como é que criamos valor para as empresas e, de certa forma, sermos a ponta de lança em algumas tecnologias. E nós estamos a trabalhar para isso: inteligência artificial, tecnologia quântica, tecnologia de comunicações debaixo de água, drones cada vez maiores e com cada vez mais autonomia são áreas onde o cluster trabalha e que são cada vez mais importantes. O cluster expande-se também no mercado espacial: uma nova constelação de satélites do Atlântico está no nosso objetivo e está a começar a ser desenvolvida agora. Olhamos para o desenvolvimento de um lançador de micro satélites. Portanto, uma panóplia enorme de grandes desafios.
Um quarto pilar que nós endereçamos é a questão do financiamento e regulação. Ou seja, tudo o que se envolve neste mercados, nomeadamente aeronáutica e espaço, é regulado e tem que ser aprovado e certificado. Portanto, temos que ter a preocupação de, quando estamos a fazer, estamos a fazer bem para que, mais à frente, não se tenha de mandar tudo para o lixo e, em vez disso, adaptar para ingressar no mercado. Esse é um ponto importante que nós endereçamos, assim como a componente financeira. Como é que vamos buscar alguns financiamentos públicos que estão disponíveis, tanto a nível nacional como internacional, para conseguir alavancar e projetar cada vez mais as entidades.
Depois temos, de certa forma, um pilar transversal que é muito importante nos dias de hoje, que é a sustentabilidade. E a sustentabilidade endereça o mercado aeronáutico, o mundo espacial, em termos de monitorização ambiental – há cerca de 50 indicadores que só são medidos pelo espaço – e a própria área de defesa que olha também para a sustentabilidade como um marco do futuro. Cada vez mais vai ser pensado, mesmo num cenário de defesa, como é que nós deixamos uma pegada ecológica menor.
Que projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento pela AED Cluster Portugal gostaria de destacar?
Se calhar destaco o primeiro. O cluster foi designado pelo Ministério de Economia como um cluster em 2019 e um dos seus objetivos é dinamizar cada vez mais o trabalho conjunto entre as diferentes entidades, sejam centros tecnológicos, universidades, empresas ou municípios como Oeiras. Portanto, todos a trabalhar em conjunto.
E um dos primeiros projetos nos quais começámos a trabalhar em conjunto foi o projeto PASSARO, envolvendo 14 entidades – havia algumas que inclusive ainda não faziam parte da associação – cujo principal objetivo era desenvolver tecnologia para a Airbus. Neste caso, o projeto PASSARO era uma nova infraestrutura tecnológica a nível da capacidade do cockpit: estruturas, proteção anti pássaros, a componente sistemas e os primórdios de utilizar a realidade aumentada para facilitar a manutenção de uma aeronave. Foi um projeto que começou em 2014, foi até 2018 e teve como principais vantagens colocar as empresas a trabalhar perante uma Airbus, uma entidade que é um grande player mundial. Conseguir demonstrar à Airbus que as entidades conseguiam agregar-se entre elas e trabalhar para um só fim foi muito importante.
As equipas colaboraram muito bem e o projeto foi um sucesso naquilo que foi alcançado a nível dos artefactos, a nível do cockpit, a nível da cooperação de empresas e a nível de manutenção do capital humano. Um ponto muito importante nestas áreas é como é que nós atraímos as pessoas para trabalhar nestas áreas e depois como é que retemos as pessoas. Garantidamente que projetos desafiantes, como o projeto PASSARO, atrai as novas gerações.
Temos novos projetos que estão a decorrer. O FLY.PT olha já para o fenómeno do que se chama advanced air mobility, portanto, mobilidade área urbana e circunscrita às grandes cidades, ou seja, os helicópteros do futuro, que são elétricos, menos poluentes, menos sonoros, que têm capacidade de VTOL [vertical takeoff and landing] e andam pelas das cidades. É o next big thing na aeronáutica, está a acontecer agora e nós já começámos a trabalhar nesse projeto há cerca de dois anos. Tipicamente, os projetos de aeronáutica são projetos a três, quatro, cinco anos – o que é, naturalmente, muitas vezes um desafio também para as novas gerações que estão habituadas a que tudo seja muito rápido.
Depois temos o projeto VIRIATO, que olha para o desenvolvimento de um lançador de micro satélites, portanto, posicionar satélites mais pequenos em órbita, que é um desafio enorme. Este projeto está a ser coordenado com empresas do cluster e em que o cluster está diretamente envolvido.
E, finalmente, começámos este ano dois projetos em que cluster está envolvido no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência. Um que visa o desenvolvimento de uma aeronave de 19 lugares, construída toda em Portugal e vai ser operada a partir de Portugal e o o desenvolvimento de um drone de perto de uma tonelada para vigilância costeira. Outro prevê o desenvolvimento de uma constelação de satélites para vigilância também do Oceano Atlântico. Estes projetos representam um investimento na ordem dos 400 milhões de euros e a criação de 800 postos de trabalho altamente qualificados. Portanto, um verdadeiro desafio para todo o ecossistema.
No seu ponto de vista, quais os efeitos práticos que os projetos desenvolvidos pela AED Cluster Portugal para população portuguesa?
Em primeiro lugar, a criação de postos de trabalho qualificados. Em segundo lugar, criação de valor para as empresas, ou seja, que permita às empresas projetar de uma forma internacional. Estamos a falar em aeronáutica, espaço e defesa. São mercados altamente internacionais. Como é que a gente se consegue internacionalizar? Através da inovação. Estes projetos são sempre projetos que olham para o futuro, que são projetos inovadores. São projetos que, de certa forma, permitem que a população portuguesa observe que as empresas portuguesas estão a dar uma pegada importantíssima no estrangeiro e, portanto, são bastante representativos da nossa capacidade, num mercado que, sendo global, também é altamente competitivo. Se nos agregarmos e trabalharmos em conjunto dá essa massa crítica, esse valor agregado, a qual sozinhos era muito mais complicado chegar.
O que é podemos esperar nos próximos tempos, no que diz respeito a inovações, na área do Espaço, Defesa e Aeronáutica?
Um dos grandes investimentos que está a ser feito é nessa área do advanced air mobility. É um mercado que vai crescer para vários milhões de milhões de euros nos próximos dez anos. Neste momento, a inteligência artificial é um gamechanger para este tipo de aeronaves porque a visão do futuro é que este tipo de aeronaves mais pequenas sejam realmente pilotadas autonomamente, ou seja, não haja necessidade de um piloto. Portanto, há um grande investimento que tem de ser feito – estamos ainda longe disso, mas é para onde estamos a olhar.
Em Portugal, estamos também de desenvolver algo muito importante, que é aeronave de 19 lugares não pressurizada. Para nós é um grande desafio porque é a primeira vez que vamos desenvolver uma aeronave integralmente em Portugal. Temos uma fábrica de Air Nova que já foi da Embraer em Portugal a desenvolver peças aeronáuticas. Temos várias empresas a desenvolver componentes aeronáuticos. É um desafio enorme e para 2026 esperemos ter os primeiros voos.
Depois também temos o desenvolvimento de drones, portanto, de aeronaves não tripuladas que vão fazer vigilância costeira, vigilância florestal. A nível do mercado espacial, claramente, o desenvolvimento de uma nova constelação de satélites é um grande desafio. O desenvolvimento de um lançador de satélites é outro grande desafio. Existem planos por parte da Agência Portuguesa de Espacial de Portugal ser um líder em algumas dessas áreas e, portanto, há um grande investimento também nos Açores para desenvolver um porto espacial que permita o lançamento de satélites no futuro.
O mercado de defesa é um mercado que está a ganhar uma dinâmica que não existia. Após o surgimento da guerra na Ucrânia, este mercado ganhou uma grande apetência para o desenvolvimento de novas soluções. E muitas das soluções que nós temos vindo a falar em aeronáutica e espaço, muitas vezes, tem um dual use: por exemplo, podemos fazer a observação da Terra através de satélites, para fazer monitorização agrícola, como também podemos fazer monitorização de terra para fazer vigilância de fronteiras.
Há também novos sistemas de comando de controlo. Um dos projetos que está a ser desenvolvido com a Marinha Portuguesa é o desenvolvimento de sistemas robustos, novos, utilizando inteligência artificial para vigilância submarina. Por exemplo, a vigilância de cabos submarinos é algo que está muito em voga hoje em dia por causa da questão da guerra. Desenvolver essa capacidade a nível nacional é muito importante e a Marinha está fortemente empenhada em fazer o desenvolvimento desse tipo de capacidades.
Há um mundo de novas tecnologias a serem desenvolvidas e daí o crescimento do cluster. Há quatro anos, estávamos a falar de 60 entidades. Hoje em dia estamos a falar mais de 120. E não só atraímos o sistema científico tecnológico, como as empresas, mas também os próprios municípios porque vêem e reveem áreas que podem atrair capital humano para os municípios, que é muito importante.
No próximo mês realizam a 10.ª edição dos AED Days. Quais as vantagens da realização deste evento no município de Oeiras?
No meu entender, o município de Oeiras e o município de Ponte de Sor foram visionários no sentido de verem que este é um mercado que iria crescer e claramente fazer uma aposta, já há alguns anos, no setor aeronáutico, espacial e de defesa de forma diferente.Em Ponte de Sor, temos várias indústrias já sediadas. Oeiras tem investido de uma forma mais ligada aos serviços. Também temos empresas de serviços aqui baseadas. Oeiras tem grandes vantagens: é muito próximo de Lisboa, portanto conseguimos captar rapidamente entidades estrangeiras que vêm cá visitar-nos e que chegam no dia anterior e vão se embora no dia a seguir. A questão de proximidade é muito bom. O sítio é muito agradável no sentido em que qualquer pessoa que vem a Portugal e chega a Oeiras, vê um pólo tecnológico como é o Taguspark, vê vários pólos tecnológicos à volta do Oeiras e claramente fica a surpreendido com a capacidade não só dos parques tecnológicos, mas com o capital humano que está aqui. Oeiras já tem uma presença significativa a nível do PIB, na indústria portuguesa. São municípios muito complementares, mas que apostaram num setor que hoje em dia está em pleno crescimento.
Fomos bastante bem acarinhados pelo município de Oeiras. Tanto os vereadores como o presidente da Câmara sempre olharam para este mercado como um mercado com grande apetência e sempre disponibilizaram o Taguspark para a realização dos AED Days. Estamos aqui na 10.ª edição e de edição para edição temos vindo a crescer. Tem sido um um pólo de atratividade, um centro de gravidade nacional de indústria.
A AED Cluster Portugal está presente em inúmeros eventos internacionais. Qual as mais-valias desta representação para o tecido empresarial português?
É um ponto muito importante porque os setores de aeronáutica, espaço e defesa são setores muito orientados para a exportação. Como é que vamos exportar? Nada melhor do que ir a certames internacionais para mostrar o que de melhor temos. Muitas vezes, quando há quatro ou cinco anos íamos lá fora, as pessoas perguntavam-nos como é que está o tempo em Portugal. Hoje em dia, perguntam o que é que estão a fazer a nível de capacidades, que desenvolvimentos tecnológicos é que estão a acontecer, que investimentos em tecnologia e desenvolvimento tecnológico estão a fazer neste momento.
E, hoje, quando nós falamos que estamos a fazer um investimento de 400 milhões de euros a nível do Programa de Recuperação e Resiliência, toda a gente fica com os olhos arregalados e querem saber o que estamos a fazer. Quando dizemos que estamos a desenvolver uma aeronave não tripulada de uma tonelada, as pessoas ficam surpreendidas. São áreas gamechanger para a indústria, permitem-nos dar um salto quântico na capacidade que nós temos da oferta de Portugal e, portanto, estando lá fora, é muito mais fácil conseguir projetar essa imagem e esses produtos.
Um dos pontos que eu também tenho reforçado sempre é tentar ter o acompanhamento do Governo, das Forças Armadas e da Portugal Space porque este atores institucionais reforçam que os nossos produtos estão de acordo com as mais elevadas exigências. Juntar a indústria científica e a componente essencial, seja governo, seja as Forças Armadas, seja Portugal Space, é muito importante para conseguirmos projetar ainda melhor Portugal.