Camila Costa e Inês Geraldes, são as duas jovens cientistas no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) vencedoras da bolsa Nos Alive – IGC 2022.
Numa altura em que a sua bolsa se aproxima do fim e que novas bolsas voltam a ser atribuídas, procurámos saber um pouco mais da sua experiência no IGC e em Oeiras, e extrair alguns conselhos para apoiar os futuros candidatos.
Em 2022, foi uma das duas jovens concorrentes a receber a bolsa Nos Alive – IGC. Porque acredita que foi selecionada?
Camila Costa: O processo de seleção para estas bolsas passa por duas fases principais. Primeiro, o currículo académico e a experiência profissional são avaliados; depois, os candidatos passam à fase das entrevistas, que são conduzidas por um painel de cientistas do IGC.
Acho que, a nível curricular, a minha formação em Engenharia Física estava bem ajustada ao projeto que escolhi em primeiro lugar: “Explorar o impacte de alterações ambientais no comportamento microbiano através de microscopia quantitativa de baixo custo”. Tentei, também, argumentar de que forma poderia desempenhar um bom trabalho ao abrigo dos outros projetos, que, não sendo tão quantitativos, pareciam igualmente interessantes. Julgo que a fase crucial para a seleção foi a das entrevistas, como, aliás, é habitual, já que é aí que expomos detalhadamente as razões da nossa candidatura.
Penso ter conseguido explicar que poderia ter o perfil indicado para enveredar neste projeto, por ter feito estágios na área das ciências biológicas e cadeiras em Física aplicada, e por ter o objetivo de, no futuro, me dedicar à área da Biofísica. Acho que, acima de tudo, foi importante ter destacado a minha motivação para estudar sistemas vivos com as ferramentas quantitativas das ciências mais exatas.
Inês Geraldes: Sinceramente acho que fui selecionada inicialmente pela minha persistência e perseverança. Tendo o processo de candidatura atrasado, tentei sempre mostrar à equipa de seleção que tinha muito interesse na bolsa a que me estava a candidatar.
A tal aliou-se o meu currículo, onde se destacam distintos estágios de verão e atividades extracurriculares, as quais acredito serem fundamentais para mostrar a destreza, esforço e curiosidade de qualquer concorrente.
Por último, tentei mostrar numa carta de motivação a singularidade desta bolsa para o momento em que me encontrava, acho que a paixão e ânsia por entrar no Instituto Gulbenkian da Ciência e no laboratório escolhido foram, assim, transmitidos.
Que conselhos pode dar aos jovens cientistas candidatos à bolsa Nos Alive – IGC 2023?
Camila Costa: A nível técnico, um conselho um pouco óbvio, mas importante, é que apresentem os documentos da candidatura de forma organizada e com conteúdo significativo.
Na formulação do currículo, devemos pensar de que forma é que, visual e cronologicamente, alguém se vai interessar por aquilo que mostramos.
Para além disso, devemos escrever uma carta de motivação cuidada e formal, mas sem deixar de referir casos particulares da nossa experiência – seria um desperdício não fazer referência à nossa especificidade pessoal. Por exemplo, em vez de dizer que fizemos um estágio no norte do país em Biologia, podemos dizer que fizemos um estágio no “Instituto onde fiz um estágio no norte do país”, onde estudei “o tema concreto que estudei no estágio que fiz no norte do país”.
A nível mais prático, acho que devemos ter uma postura descontraída, ainda que focada, principalmente na fase das entrevistas.
Depois da seleção, o conselho é aproveitar a oportunidade ao máximo, trabalhar muito e aprender, aprender, aprender.
Inês Geraldes: O meu conselho para os próximos candidatos seria que vejam esta bolsa como uma oportunidade única de durante um ano descobrirem a área na ciência que os deixa entusiasmados com as questões e respostas que vão adquirindo durante cada avanço.
Durante o filme do Oppenheimer pensei que a forma e paixão como este via a física, representada por explosões de estrelas, seria a força motriz para o sucesso de qualquer profissional.
Assim, diria para qualquer concorrente ver esta bolsa como a personagem principal via a necessidade de fazer parte daquele marco da inovação na física.
Adicionalmente, esta bolsa deve ser denotada como uma oportunidade para perceber qual o meio em que estes se querem inserir num futuro próximo, decidindo assim pela entrada num doutoramento ou noutro meio que se coadune com os seus valores e perspetivas.
Através desta bolsa de investigação, encontra-se a trabalhar num projeto junto do IGC. O que nos pode dizer sobre o projeto e sobre as mais valias desta bolsa?
Camila Costa: Sim, estou integrada num projeto do grupo de Física Viva, liderado pelo Dr. Pablo Sartori, que me tem orientado nesta jornada.
O nosso projeto consiste em construir um microscópio de baixo custo, mais simples do que aquele que vemos habitualmente nos laboratórios. Este microscópio tem o objetivo de filmar o movimento de micro-organismos que nadam. O caso mais conhecido destes micro-organismos são os espermatozoides, que se movem devido ao movimento do seu flagelo, ou cauda.
No nosso caso, estamos a estudar algas unicelulares que têm, em vez de um, dois flagelos. Estas algas nadam na direção da luz ou afastam-se dela, consoante a sua intensidade e o seu comprimento de onda. Este movimento é, também, dependente da temperatura. Portanto, o nosso objetivo é perceber de que forma condições ambientais como a luz e a temperatura podem afetar o movimento destas algas microscópicas. O aparato experimental que estamos a construir pode depois ser usado para outro tipo de micro-organismos.
Esta bolsa tem-me ajudado a delinear um percurso científico que cada vez mais satisfaz os meus objetivos profissionais e pessoais. Poder estar todos os dias rodeada por pessoas extremamente interessantes, com valores semelhantes aos meus, tem sido muito motivante.
Esta bolsa é também um exemplo de investimento na educação e na Ciência. Numa altura em que ser cientista em Portugal é precário, não existindo, sequer, uma noção clara de carreira (como, infelizmente, em tantos outros empregos), ter entidades como a Everything is New e o Instituto Gulbenkian de Ciência a fazer este investimento é uma mais-valia. Sendo muito motivante para os bolseiros, devia sê-lo igualmente para o governo português, por forma a oferecer mais oportunidades destas ao mar de talento que Portugal forma todos os anos e que, infelizmente, se adentra pelos portos de outros países.
Inês Geraldes: Aquando da escolha do projeto elegi o grupo de Manutenção do Genoma e Evolução, liderado pelo Dr. Marco Fumasoni, porque enquanto Engenheira Biomédica queria aprofundar o meu conhecimento em biologia molecular num organismo que nunca tinha manipulado.
Sendo a ciência imprevisível como o comportamento humano, o meu projeto tem sofrido distintas alterações ao longo destes meses com diferentes obstáculos que têm guiado o seu seguimento em cada bifurcação. Assim, na rampa de lançamento em que me encontro estou a evoluir uma espécie de levedura, a mesma usada para a fermentação da cerveja ou do pão, mas que contêm distintas alterações genéticas que impactam a forma como estas se dividem. Tal permitir-nos-á descobrir novos mecanismos que poderão substituir componentes essenciais para a maquinaria e bom funcionamento celular.
Em miúdos, diria que estou a estudar como um ser humano se adaptaria se lhe tirasse uma perna e um tentáculo biónico pudesse aparecer. Que novas funções poderiam ser executadas? Como seriam executadas? Como tal alteraria a função de outros órgãos?
Respondendo à segunda parte desta questão, penso que uma das mais-valias a apontar desta bolsa é a oportunidade única de trabalhar num centro português de renome, o Instituto Gulbenkian da Ciência, e a possibilidade de durante um ano desenvolver um projeto interessante, que permite adquirir destreza laboratorial de forma independente.
De um ponto de vista mais pessoal aponto, sem dúvida, a possibilidade de trabalhar num meio internacional, com pessoas com interesses distintos, as quais nos permitem todos os dias aprender algo novo, desde microscopia à cultura gastronómica do Equador.
Ainda, acho importante salientar que oportunidades como esta, neste caso financiadas por entidades como a Everything is New e o Instituto Gulbenkian de Ciência, são oportunidades importantes para o nosso país, principalmente numa época em que a taxa de emigração de jovens altamente formados tem aumentado.
Como vê a estratégia para a ciência e inovação do município de Oeiras, em particular no que diz respeito a jovens cientistas?
Camila Costa: Oeiras é um município que alberga instituições científicas de renome internacional, onde jovens cientistas se formam todos os anos, seja a nível de doutoramento, mestrado ou licenciatura. Para além disso, o município de Oeiras investe na difusão da Ciência dentro da comunidade, em particular nas camadas jovens. Exemplos com que contactei dentro do IGC foram a organização de visitas a escolas por cientistas, a oferta de formação a professores e a possibilidade de participar nos stands de divulgação do festival NOS Alive. Outro investimento sobre o qual tive conhecimento é a nova residência para cientistas que está a ser construída em Santo Amaro. Se houver financiamento, seja através de apoios privados ou do Estado, para que este tipo de habitação compita a nível financeiro com aquilo que vemos hoje nos centros de Lisboa e Oeiras (preços exuberantes), isto será uma mais-valia para os cientistas locais. O município ganhará muito em oferecer condições sustentáveis de habitação a quem quiser desenvolver projetos científicos cá e, neste aspeto, seria visionário.
Políticas que ofereçam boas condições de trabalho e de vida são sempre uma forma de atrair os cientistas do país, e fazê-los ponderar seriamente em não emigrar. Num panorama nacional não tão luminoso, acho, sinceramente, que Oeiras está num ótimo caminho a este nível e que mais municípios deviam tomá-lo como um exemplo a seguir.
Inês Geraldes: Apesar do pouco tempo que vivo em Oeiras considero este um município ativo e dedicado às diversas faixas etárias da comunidade que abrange, o que por si só é um ponto diferenciador.
Especificamente sendo sede de um Instituto de renome português, onde trabalho, vejo diariamente como este permite a criação de distintas atividades e oportunidades focadas para os jovens cientistas nacionais e internacionais. Assim, penso que o município deve fomentar oportunidades como estas nos diversos postos de trabalho que apresenta, de forma a educar e fixar os recém-formados no país.
Ainda acho motivadores os projetos de construção de residência para cientistas que serão uma estratégia imprescindível para melhorar a qualidade de vida dos distintos jovens que estão neste e outros institutos na área de Lisboa, prevendo que os meios são justamente distribuídos.
A bolsa de investigação está prestes a chegar ao fim. Que projetos futuros tem em vista?
Camila Costa: Em novembro, no mês final desta bolsa, vou visitar a Universidade de Yale, em New Haven, EUA, onde vou discutir sobre o projeto que estou a desenvolver com o grupo do Dr. Joe Howard. Será, sem dúvida, uma experiência única visitar uma universidade destas.
Depois de finalizar este projeto, pondero candidatar-me a um programa de Doutoramento, provavelmente o do IGC, não descartando a opção internacional.
Inês Geraldes: Na realidade, de momento estou totalmente focada com a minha ida aos Estados Unidos, onde irei desenvolver parte do meu projeto.
Aquando do meu retorno vislumbro candidatar-me a distintos programas de doutoramento, sendo que não excluo qualquer oportunidade que possa surgir.
Sinto que de momento não posso falar do futuro, mesmo do próximo, porque irei viver algo que no meu percurso de 24 anos se mostrará colossal nas minhas decisões, personalidade e até perspetiva.