
O ITQB – NOVA foi fundado em 1989 e é hoje uma instituição científica de referência no Município de Oeiras e em Portugal. O diretor, Claúdio M. Soares, dá a conhecer as áreas de ação do Instituto, assim como alguns dos projetos, nesta entrevista ao Oeiras Valley.
O Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa dedica-se à investigação na área das biociências biomoleculares, com o objetivo de criar impacto na sociedade, na área da saúde e na área da sustentabilidade. A par da investigação de excelência, a instituição destaca-se pela sua especialização no ensino pós-graduado.
Em entrevista ao Oeiras Valley, o diretor do ITQB – NOVA, Cláudio M. Soares, explica o foco do trabalho do Instituto, abordando alguma da investigação feita nos diversos campos de ação, ao longo do último ano, assim como alguns dos projetos a ser trabalhados, como é o caso da incubadora A5, uma iniciativa apoiada pela Câmara de Oeiras, que irá criar um espaço privilegiado para empresas se instalarem em Oeiras e começarem a fazer negócios e start-ups, na área das ciências da vida.
O ITQB NOVA é um Instituto Multidisciplinar que trabalha em várias áreas de investigação e desenvolvimento, a par da área de formação académica. Pode explicar quais são os campos de ação a que se dedica?
O ITQB NOVA é uma Unidade Orgânica da Universidade NOVA de Lisboa, portanto chama-se Instituto, mas é como se fosse uma faculdade. Nós dedicamo-nos à investigação e ao ensino. O ensino tem uma característica importante aqui, que é a de ser todo ensino pós-graduado. Só temos ensino formal de pós-graduação, mestrado e doutoramento. Nesse aspeto, distinguimo-nos de outras escolas que trabalham mais ao nível do primeiro ciclo, licenciaturas e mestrados.
A investigação no ITQB NOVA está organizada em cinco divisões científicas: Investigação em Química; Química Biológica; Biologia; Tecnologia; Ciência de Plantas. É um campo multidisciplinar, de facto, que reúne 52 grupos de investigação que trabalham em diversas áreas. O objetivo da nossa investigação é ter impacto nas bases moleculares da saúde e da doença, na sustentabilidade e no desenvolvimento sustentável.
A biotecnologia também pode ser fulcral nesta transição energética
A propósito da investigação que refere, pode relevar alguns dos temas mais desafiantes a serem trabalhados no ITQB NOVA, na área da sustentabilidade?
Nós temos uma divisão de ciências de plantas, que estuda vários temas relacionadas com as alterações climáticas e com a adaptação das plantas a esse stress. Os ecossistemas estão a mudar e a nossa divisão de plantas estuda os efeitos desse stress ambiental nas plantas para tentar fazer com que a agricultura seja mais sustentável e que a biotecnologia seja mais sustentável. Temos que pensar numa economia circular em que as coisas são reaproveitadas e feitas da maneira mais eficiente, quer do ponto de vista energético, quer do ponto de vista do impacto no ecossistema.
Em termos de energia, há que pensar em renováveis e hidrogénio, sendo que a biotecnologia também pode ser fulcral nesta transição energética e na divisão de química biológica temos grupos que trabalham no assunto. A biotecnologia em geral, seja nas suas componentes industriais ou farmacêuticas, é, cada vez mais, um dos motores da economia, e no ITQB NOVA estamos a desenvolvê-la de uma forma sustentável.
Estamos a desenvolver novos testes que sejam mais rápidos, muito mais baratos e que sejam aplicáveis de uma maneira mais rápida a grandes populações.
E na área da investigação da COVID-19?
Com a COVID-19, houve laboratórios no ITQB NOVA, incluindo o meu, que se dedicaram a estudar este vírus e esta doença desde o primeiro momento, e estabelecemos uma Task-force de investigação. Houve também uma Task-Force de apoio à sociedade e ao SNS (Serviço Nacional de Saúde) e com isso temos feito várias coisas: temos uma equipa que faz testes diariamente para os trabalhadores da linha da frente, no Concelho de Oeiras. Nós fazemos aqui toda a parte laboratorial dos testes PCR. Já fizemos milhares de testes nesta parceria com a Câmara de Oeiras – que muito nos orgulha -, tal como outros tipos de apoio que temos dado à sociedade e ao sistema de saúde.
Do ponto de vista da investigação, temos tentado arranjar soluções para esta pandemia, para esta doença, mas também para as próximas. O mundo foi surpreendido com uma pandemia, mas a verdade é que já havia muita gente a fazer investigação que conduziu às soluções que temos hoje em dia. Conseguiu-se fazer vacinas em tempo recorde, mas foi porque havia investigação prévia, o que me leva à questão de que é preciso investir em investigação fundamental. A investigação que ainda não tem a sua aplicação, mas que nos prepara para os inesperados do futuro. Temos as vacinas, mas há outras vias terapêuticas que têm que ser desenvolvidas.
Olhar para a investigação e desenvolvimento de uma maneira internacional é muito importante.
A investigação que nós fazemos aqui não é necessariamente conducente a vacinas. É conducente a outras intervenções terapêuticas. Portanto, nós tentamos desenvolver moléculas pequenas para controlar o vírus. Ao mesmo tempo, tentamos desenvolver anticorpos e outros biofarmacêuticos que poderão impedir a infeção. Estamos a desenvolver novos testes que sejam mais rápidos, muito mais baratos e que sejam aplicáveis de uma maneira mais rápida a grandes populações.
Depois, há as variantes, que é outra parte da investigação que fazemos. Existem várias variantes de concern, como se chamam. É extraordinariamente importante estudar as variantes, como é que estas alteram a infeção e como poderão ser controladas. Pode ser com vacinas novas, mas também com intervenções terapêuticas, que não vacinas, para controlar a doença.
Falava há pouco de projetos em que trabalham, com dezenas de entidades. Acha que as outras áreas da sociedade e da vida pública têm a aprender com o funcionamento em rede das instituições científicas? É assim que se pode alcançar objetivos comuns mais rapidamente?
Sim. A verdade é que a ciência é internacional. Para ser competitiva tem que ser internacional. Nós não lidamos com um “mercado nacional da ciência”. Nós lidamos com um mercado global. Claro que, por exemplo, gostaríamos de ter uma fábrica aqui ao lado a produzir vacinas e a criar valor e emprego para a economia local e nacional, mas olhar para a investigação e desenvolvimento de uma maneira internacional é muito importante, e a ciência é uma das atividades humanas mais internacionais.
Quando nós estamos a estudar um problema, do ponto de vista da investigação fundamental, nós tendemos a publicar tudo ou quase tudo o que produzimos. Acho que a sociedade deve aprender com isso, porque na verdade vivemos todos no mesmo planeta e as barreiras entre os países são muitas vezes artificiais ou linguísticas.
Há coisas que não são para fazer dinheiro. Há coisas que são mesmo para resolver problemas que são prementes.
Do ponto de vista da atuação, a colaboração acaba por ser muito generosa, até porque nenhuma instituição tem tudo o que precisa. Nessa perspetiva, nós temos áreas mais especializadas aqui, que até estão alinhadas com as necessidades desta pandemia, mas há outras coisas que nós não temos e precisamos de usar. Portanto, fazemos colaborações, temos colegas, colaboramos com eles e fazemos o que é necessário. E é aqui, ou no estrangeiro. Acho que é isso: ter uma visão internacionalista da atuação e ter uma atuação generosa. Porque há coisas que não são para fazer dinheiro. Há coisas que são mesmo para resolver problemas que são prementes.
O Município de Oeiras criou a estratégia e a marca Oeiras Valley para afirmar o concelho na área da Ciência, da Tecnologia e da Inovação. O ITQB NOVA está em Oeiras há muitos anos, mas sente que a marca Oeiras Valley – que está para fazer dois anos agora – veio trazer novas vantagens competitivas à Ciência em Oeiras?
Sim, mas não é só de agora. Eu voltei para Portugal em 1994 e sabia que queria vir para aqui. Precisamente para este instituto que agora lidero, mas também porque a zona de Oeiras tinha imensas instituições de investigação… nós temos a maior densidade de cientistas por metro quadrado aqui no concelho de Oeiras. Cientistas que trabalham em investigação fundamental, em institutos de investigação, universidades, outras áreas, mas também em instituições mais aplicadas, de interface e empresas.
Portugal, do ponto de vista da Ciência, embora subfinanciado, conseguiu chegar a um patamar muito interessante e muito competitivo. Mas faz pouca transferência de tecnologia, valoriza pouco a Ciência que faz. A transferência de tecnologia tem múltiplas vertentes, podemos falar de patentes ou podemos falar de start-ups, de empresas, de colaborações com empresas, da formação de pessoas com capacidade de fazer negócio.
Há diversas iniciativas enquadradas na marca Oeiras Valley, e as marcas têm importância. Há que a promover nacional e internacionalmente e a Câmara está a fazê-lo.
Apoiados pela Câmara de Oeiras, temos uma iniciativa chamada Start-up Research Program, com a NOVA – SBE, em Carcavelos, e tentamos pegar em cientistas e transformá-los em empreendedores. É uma pós-graduação que se faz quando estão a fazer investigação a nível do Doutoramento ou ao nível do Pós-Doutoramento.
A transferência de tecnologia é muito importante e é aquilo que nós pretendemos e que precisamos de melhorar na ciência portuguesa em geral e, em particular, na Ciência em Oeiras. Há diversas iniciativas enquadradas na marca Oeiras Valley, e as marcas têm importância. Há que a promover nacional e internacionalmente e a Câmara está a fazê-lo.
Oeiras Valley, sendo uma marca, é uma realidade e uma estratégia de desenvolvimento daquilo que nos faz falta, daquilo que temos de melhorar para tornar a ciência e a tecnologia mais significantes para a sociedade.
Estamos neste momento a criar uma incubadora chamada A5, tal como a autoestrada (risos), que é uma incubadora da Ciência da Vida, feita com a Universidade NOVA de Lisboa, com o Instituto de Investigação Agrária e Veterinária, com o Instituto Gulbenkian de Ciência e com o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, que vai formar um espaço privilegiado para as empresas se instalarem e começarem a fazer negócios e start-ups. Isto é muito importante e a Câmara vai apoiar-nos muito generosamente, assim como a CCDR de Lisboa e Vale do Tejo.
Oeiras Valley, sendo uma marca, é uma realidade e uma estratégia de desenvolvimento daquilo que nos faz falta, daquilo que temos de melhorar para tornar a ciência e a tecnologia mais significantes para a sociedade.
Muitas das instituições que referiu estão instaladas em Oeiras. Sente que o fator localização acaba por ser um fator muito importante de qualidade de vida para as pessoas, a par da qualidade de trabalho?
Sem dúvida. Fiz a minha licenciatura em Lisboa, nos anos 80, depois fui fazer o doutoramento para a Suécia. Quando voltei, tinha-me habituado à vida no campo… de cidade pacata (risos). Quando voltei, para além das condições ímpares na investigação que Oeiras tinha e que representava e o ITQB NOVA, em particular, tínhamos uma organização que era muito interessante e que continua a sê-lo para os mais jovens. Estar aqui possibilita estar numa metrópole, mas numa zona muito sossegada. Temos uma certa densidade populacional, mas uma qualidade de vida… eu venho todos os dias a pé para o trabalho, que é uma coisa que não há muita gente nas grandes cidades que possa dizer. Ao mesmo tempo, estou a quinze minutos de Lisboa e tenho o melhor dos dois mundos, se assim o desejar.
Quanto às outras instituições, é ótimo. Temos excelentes relações com muitas instituições de ciência e tecnologia aqui. Somos bastante amigos uns dos outros e eu gosto de estar aqui porque somos complementares. Temos áreas complementares que formam uma megaestrutura de investigação.
Os dias abertos no ITQB são datas memoráveis. Nós já chegámos a ter mais de 1000 visitantes.
Sei que irão abrir um novo Mestrado em Biologia Computacional e Bioinformática…
O mestrado de Biologia Computacional começa em setembro. É algo que nos orgulha e muito. É uma área que está a atingir uma grande dimensão, que permite estudar os fenómenos biológicos usando métodos computacionais, permitindo-nos entende-los melhor e contribuir para o desenvolvimento das indústrias biotecnológicas e farmacêuticas. Nós colaboramos com cientistas experimentais, mas os nossos domínios são computadores e algoritmos que nos permitem ver mais além e trabalhar grandes quantidades de dados para tentar descobrir novas coisas e contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico. Há falta de recursos humanos na área e isso é uma das coisas que o Mestrado vem colmatar.
Nós vivemos pela generosidade da sociedade, que, com os seus impostos, investe na Ciência. Queremos dar de volta e isso é algo muito importante.
No dia 30 de maio, irão ter o Dia Aberto do ITQB NOVA. Pode explicar o que prepararam para este evento?
O Dia Aberto vai ser online, infelizmente. Os dias abertos no ITQB são datas memoráveis. Nós já chegámos a ter mais de 1000 visitantes quando o fazemos, normalmente entre o inverno e a primavera. O grande tema do Dia Aberto é um tema que lançámos, quando fechámos em março do ano passado, que é: Science will move us forward. Está escrito em todas as paredes do ITQB. É esse o lema. Nós vamos sair da crise pandémica, doutras crises, doutros inesperados, com a ciência. A ciência move-nos para o Futuro. É esta a visão de esperança no futuro que a ciência nos pode trazer. As pessoas poderão fazer visitas virtuais aos laboratórios e às infraestruturas, conversar com os investigadores e conhecer o que se faz em investigação no ITQB NOVA, tal como no ensino. Vamos ter imensas atividades que decorrerão nessa altura e outras que poderão ser aproveitadas pelo público. Será 30 de maio, das 10h às 17h.
Terá a pandemia rejuvenescido o interesse das pessoas pela Ciência, que voltou a demonstrar a sua extrema importância nas nossas vidas?
A Ciência adquiriu um estatuto muito importante e esperemos que seja vista, pela sociedade e pelo poder político, como algo realmente importante: não é um luxo, não são atividades estranhas que algumas pessoas estranhas fazem, mas sim atividades importantes para o desenvolvimento da sociedade. Nós vivemos pela generosidade da sociedade, que, com os seus impostos, investe na Ciência. Queremos dar de volta e isso é algo muito importante.
Nós queremos ter mais impacto nas áreas mais ligadas à Saúde, à Sustentabilidade, numa nova indústria biotecnológica mais eficiente e capaz de produzir com qualidade.
Por fim, quer refletir um pouco sobre o futuro do ITQB NOVA, enquanto instituição e ao nível dos projetos?
O ITQB NOVA tem esta dimensão, mas terá ainda capacidade de se expandir em novas áreas, algumas que falei, outras que não falei. De facto, gostava de ver esta instituição a crescer ainda mais, apesar de já ser grande… a crescer ela própria e a crescer nas suas parcerias. Nós queremos ter mais impacto nas áreas mais ligadas à Saúde, à Sustentabilidade, numa nova indústria biotecnológica mais eficiente e capaz de produzir com qualidade.
O ITQB NOVA é um instituto de ciências químicas e biológicas, mas podemos pensar em muitas outras interações que podemos ter com outras áreas do conhecimento. Podemos ganhar todos muito com isso. Eu gostaria que ainda houvesse mais interfaces nesta instituição, porque julgo que é aí que está o valor acrescentado e há muita coisa para descobrir e para fazer.